De acordo com um estudo, 80% das decisões são tomadas por mulheres. Podem estar marginalizadas da política – e talvez por isso ela seja tão pálida e desinteressante – mas são as amazonas do mundo contemporâneo. Este era o anúncio de uma reportagem de fundo, a passar mais tarde num noticiário televisivo. Como estou num recolhimento de noticiários até que passem as eleições, não pude ser testemunha viva da descoberta que veio revolucionar os costumes. Afinal, elas mandam!
O estudo viria – e agora estou a adivinhar – confirmar que este é um mundo injusto. Como, em tantas coisas na vida, quantidade não é qualidade. Pois se é verdade que 80% das decisões do dia-a-dia são tomadas por mulheres, isto não encontra espelho na qualidade das decisões que influenciam as decisões tomadas por elas. As decisões que condicionam são um império masculino. Decisões políticas, decisões das empresas, quem as toma? Homens, na sua esmagadora maioria. Eis a injustiça: elas ficam com as decisões corriqueiras, com as decisões desvalorizadas pelos homens. Eles reservam para si as grandes decisões. Só aos poucos as mulheres vão entrando nesta coutada reservada aos exemplares masculinos.
Há mensagens enganadoras. Quem ouvisse o anúncio da reportagem seria levado a pensar que a desigualdade de sexos invertera o sentido. Os homens seriam os marginalizados, submetidos a uma ditadura impiedosa do mulherio. Quando se descodifica o sentido das relações entre os dois sexos, a ingrata surpresa – para as feministas exacerbadas – que os homens continuam a dominar. Os números conferem um manto ilusório. Que interessam os 80% de império feminino, se são os restantes 20% que contam? A reportagem seria um falso tónico para aquietar consciências mal amanhadas pela ancestral desigualdade entre homens e mulheres. Ou isso, ou uma máscula lança espetada nas tentativas feministas de forçar a igualdade de sexos.
Não é a primeira vez que escrevo contra as palavras desabridas das feministas de serviço, sempre prontas a disparar contra a histórica desigualdade que as tem remetido a um injusto papel. Não sou daqueles que dá para o peditório da tensão sexista. É uma falsa questão que alimenta uma discussão estéril. Fico perplexo com os sedimentos de pensamento politicamente correcto que aceitam uma desigualdade para corrigir a desigualdade do passado. Chama-se a isto “discriminação positiva”: como as mulheres têm sido atropeladas pela marcha inexorável de homenzarrões insensíveis, eis que é chegado o momento da vingança das mulheres, emproadas em amazonas dos tempos modernos. Os homens de hoje têm que se resignar, pagando pelos erros dos antepassados. Somos nós, convocados a pagar essa factura. E a sofrer na carne o preço de uma nova desigualdade.
O pensamento politicamente correcto tem várias manifestações. As mais absurdas são as quotas impostas, por decreto, como se a igualdade pudesse ser imposta à força. Na política vão-se impondo essas quotas: não interessa saber se, com a quota mínima reservada a mulheres, se excluem pessoas que são melhores que as mulheres que têm o beneplácito da quota. Ontem li algures que foram publicados anúncios para os jovens candidatos a mancebos no exército. Alertam para o dever de recenseamento militar. Paralelamente, outro anúncio faz chegar a informação às meninas que queiram engrossar as fileiras do exército. Outro exemplo: a federação automóvel mudou as regras relativas aos comissários técnicos para os ralis. Uma das inovações é que um dos comissários tem que ser uma mulher – sem que haja qualquer explicação para reservar o lugar para um espécime do sexo feminino.
A fobia anti-sexista está mais arreigada Europa fora. Em trabalhos académicos, por exemplo, os autores têm um cuidado extremo para evitar referências que reforcem a desigualdade. Sempre que fornecem exemplos que impliquem o uso de sujeitos, não aplicam o masculino indiferenciado – como é norma na língua portuguesa, pois o “ele” ou “lhe” valem para os dois sexos. Lá por fora, existe o cuidado de escrever “him/her”, ou “he/she” quando se utilizam pessoas como sujeitos de exemplos que explicam uma ideia. Para que tanto eles como elas se revejam, evitando estéreis mas complicadas discriminações.
Um dia destes, caminhamos para a indiferenciação de sexos. Que a obra demore umas gerações. Sendo contra a espúria desigualdade que condena as mulheres a um papel subalterno, não compreendo a manobra que passa um pano sobre algo que é desigual – os sexos. Sem que isto possa ser entendido como uma caução aos atropelos do passado. Condenáveis, são também incorrigíveis. Senão a desigualdade há-de se inverter e os novos excluídos passam a ser os que tiveram o azar de nascer com o sexo masculino. Uma responsabilidade inter-geracional?
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