O marketing ao serviço de instituições anacrónicas. Já não é como outrora, quando esboços de relações públicas dos ramos das forças armadas vendiam o peixe aos magalas forçados a passar dia e meio na inspecção militar. Hoje, os jovens já afocinharam nos malefícios do consumismo compulsivo. É como se os olhos comessem, mais que tudo o resto. A tropa profissional tem que modernizar o discurso, se quer captar mancebos para as suas hostes.
Fecharam-se as portas à retórica de antanho. A tropa já não é condição para franquear as portas da masculinidade. Antes é que a tropa fazia de nós homens. De barba rija. Isso era no tempo do exército tradicional. No tempo em que os mancebos eram tratados abaixo de cão por sargentos barrigudos com um QI ele sim abaixo de cão. Era o tempo em que o rancho parecia lavadura para porcos. Por esses tempos, a tropa não respeitava a pessoa. As diatribes da recruta iam ao impensável: acordar a meio da noite para exercícios surpresa; percursos pedestres violentos, a que se juntava a violência psicológica e, quando necessária, física – porque os homens se querem rijos, e eles só enrijecem quando os corpos são curtidos com a chibata do alferes. Tive a sorte de não ser testemunha destes absurdos. Sei-o por relatos de amigos que tiveram a desdita de por lá andar.
Agora que estamos na modernidade, a tropa tem que vestir novas roupagens. Seduzir os potenciais clientes com um discurso atractivo. Sobretudo quando o serviço militar deixou de ser obrigatório. Só os candidatos a Rambo entram para a tropa. Sempre podem andar aos tiros, durante a instrução e nos exercícios que simulam fantasiosos actos de guerra contra um inimigo fantasmagórico. E depois podem chegar à santa terrinha, nas folgas de fim-de-semana, envergando a farda dos comandos ou da força aérea ou do que quer que seja. A farda impõe respeito aos civis. Os magalas enfardados, atravancados pela pequenez dos poucos neurónios, hão-de imaginar genuflexões sucessivas dos anciãos que ainda se recordam como a tropa era uma instituição cheia de respeitabilidade.
Não posso escrever com conhecimento de causa, pelo salutar distanciamento em relação à tropa. Adivinho cenários: se o discurso e a postura para os civis se modernizaram, para tentar afastar a aura anacrónica, decerto a vida entre portas será a mesma bestialidade de outrora. Nos quartéis, ainda e sempre homens de barba rija com tratamento áspero, porque isso da afabilidade é coisa amaricada. Linguagem de caserna, ríspida, muitas vezes codificada, porque as forças armadas se distinguem dos civis, falantes de linguagem corrente.
Jovem, se anseias por uma vida excitante, pelo brio de uma farda, pela respeitabilidade da vida militar, junta-te à tropa. Vem aprender os segredos da vida castrense. Vem aprender a arte do belicismo, que te ensina que a vida humana tem pouco valor quando se ensaiam virtuais cenários de guerra. Jovem, é como militar que se preenche o sentir nacionalista. “Seguir uma carreira ao serviço da nação”, reza a máxima incluída num e-mail que, decerto por engano, foi parar à minha caixa postal. Ao serviço da nação, não te esqueças; que o individualismo é uma maleita moderna que há-de levar a humanidade pelas veredas da desgraça. Não, não é a guerra com o exército de mortos que desgraça a humanidade. É o individualismo.
Passa a mensagem aos teus amigos. Eles que se desenganem da retórica pós-moderna que anda no ar: é como militar que te fazes um homem pleno. Só então podes exibir o garbo da masculinidade total. Ensinamos-te a ter disciplina mental, o esteio de uma educação decente para a tua prole. E ensinamos-te a recuperar a essência de uma família à antiga portuguesa: um bom pai de família é aquele que se faz respeitar como chefe de família, impõe a sua vontade sobre o restante agregado, fala mais alto, comanda o seu pequeno exército familiar. E que, se necessário for, submete a consorte teimosa, nem que seja pela razão da força.
E jovem, faz ouvidos de mercador aos inomináveis profetas de um mundo novo, aqueles que denunciam a inutilidade da tropa. Explica-lhes que sem a tropa, no dia seguinte deixaríamos de ser o mui nobre e ancião Portugal, com a tenebrosa Espanha a invadir o lusitano território. Não te deixes convencer que os tempos mudaram. Não te deixes guiar pela cabeça desses se dizem discípulos da pós-modernidade. Convence-te que a modernidade só chega nos amanhãs incertos. E que tu vives no presente, o presente que é igual a tantos dias que cimentaram o passado que conhecemos. Acredita, jovem, que a tropa quer conservar o que de bom nos foi legado pelos antepassados. Tu és a charneira entre esse passado e o amanhã que se constrói. Não deixes que a ruptura seja feita. Só as forças armadas podem impedir a ruptura (e a igreja também). Está nas tuas mãos perpetuar a dignidade da tropa, evitar o desmembramento da sociedade digna e virtuosa que herdámos dos antepassados.
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