Regresso à publicidade da Super Bock – mas não apenas a ela. Os publicitários contratados pela Unicer programaram uma campanha de Verão que associa o consumo de cerveja à masculinidade de hormonas aos saltos. Seios com abundância, um desfile de corpos femininos e outdoors mais sugestivos, com mensagens sublimes que remetem para a coisificação da mulher. Um cartaz com uma gota deslizando pela parede gelada de uma tulipa de cerveja, o sucedâneo de um mamilo intumescido. Ou um frame de duas garrafas de cerveja que leva o imaginário masculino a um par de esbeltas pernas femininas. O calor apela à cerveja. E incendeia a libido. Eis a santíssima trindade da Super Bock: Verão, corpos entrelaçados e cerveja. O último episódio: um cartaz grita bem alto: “latin lover”.
Tenho lido reacções negativas à arrojada campanha publicitária. Acusam-na de ser sexista. Denuncia-se o enviesamento da publicidade, como se os consumidores de cerveja fossem homens grotescos que não hesitam em fazer da mulher um objecto. Outros lamentam o mau gosto da campanha publicitária, sobretudo pela profusão de seios femininos. A Super Bock não está sozinha. Pela mesma altura teve rival num refrigerante, o Bi melão, que mostrava uma rapariga de seios avantajados a jogar na praia, abrindo e fechando os braços à medida que impulsionava um objecto oval que deslizava entre duas extremidades de uma corda. A câmara focava, obsessiva, os seios apetitosos da menina. A mensagem vinha depois: o refrigerante é de melão – melão, como se sabe, uma das metáforas que o povo masculino usa para se referir aos seios das mulheres.
Alguns não conseguem calar o incómodo pelo mau gosto de sucessivos anúncios que retratam uma masculinidade dependente de mamas. Sugerem que há ali um complexo pós-fetal mal resolvido da pandilha de publicitários que faz esta publicidade rasteira, fácil. Sem falar na ofensa às mulheres, mais uma vez reduzidas à condição de objectos despersonalizados, coisas com dois cumes entre os braços que levam a homenzarrada à excitação.
Compreendo alguma irritação contra o mau gosto. Mas o mau gosto é património genético da nossa idiossincrasia. Apalpe-se o pulso à estética dominante entre o povo, principalmente entre os grandes consumidores de cerveja (estudos de mercado decerto mostram que são os homens os grandes consumidores de cerveja). Atestado o baixo nível dominante, faz sentido que a publicidade se enquadre no estilo do público-alvo. É a democracia aplicada à publicidade. Sei que, nesta altura, ideólogos do lirismo tiraram a contra-argumentação da cartola: dirão que até a publicidade pode ser educativa, no sentido de moldar os gostos do público-alvo. Ela podia ir mudando hábitos e percepções de uma turba masculina ainda enfeudada em tiques marialvas. Seria uma publicidade civilizadora. Não vou contestar a sugestão. Como não sou publicitário, não decido a mudança de estratégia.
Ao invocar o mau gosto da campanha publicitária que revela a santíssima trindade – Verão, corpos de mulheres, cerveja – fico intrigado como a denúncia se concentra apenas nos spots que sugerem o corpo feminino como um mero objecto. A publicidade está enxameada de exemplos de mau gosto. Que passam incólumes pela pena moralista dos críticos. Ninguém se subleva contra um anúncio do detergente Skip, onde um personagem inenarrável ciranda por ruas estreitas, suponho que de um bairro típico lisboeta, em ambiência de marchas populares, cantando uma música pimba do pior jaez. Ou da publicidade a um banco que usa a música inaudível de Pedro Abrunhosa ou de outro com a irritante música de David Fonseca. Onde estão os guardiães do bom gosto?
Por cima das considerações estéticas, não há lugar à punição da publicidade quando ela é imaginativa. Porque, sendo-o, é uma das facetas mais nobres do ser humano que está a ser exercitada. Pode a imaginação resultar num exercício distorcido de bom gosto. Mas deixemos a imaginação andar de braço dado com a publicidade. Às vezes o produto é um equívoco estético. Mas tantas vezes a imaginação tem dado resultados que merecem aplauso, que tolhê-la é arrepiar caminho à castração daquilo que a publicidade pode representar de bom – uma lufada de ar fresco.
Podemos discordar do resultado final, conotá-lo com um excrementício mau gosto. Em vez de esboçar exercícios moralistas que denunciam essas campanhas publicitárias, temos à nossa disposição um instrumento mais poderoso: decidir não comprar os produtos anunciados em publicidade de mau gosto. O factor repulsivo é a pior penalização. Por isso não compro Skip, nem sou cliente do Millennium Bcp, ou do Banco Português de Investimento. E não se dera o caso de estar em fase abstémia, não deixaria de beber Super Bock.
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