A Internacional Socialista está tomada por um entusiasmo contagiante, com aquiescência da imprensa que não se cansa de varrer a passadeira vermelha para as causas da auto-proclamada “esquerda moderna”. O motivo é a descoberta de uma candidata que promete uma vitória fácil nas próximas eleições presidenciais francesas – Ségolène Royal. Uma lufada de ar fresco. Uma mãe de família que traz para a política o glamour da beleza discreta. Uma pedrada no charco no cinzentismo machista que tomou as rédeas da política. E outros lugares comuns similares.
Há uma diarreia de crónicas arrebatadas com a viçosa candidata que promete resgatar a França para o feudo do arcaico republicanismo socialista (de onde, dirão os apaniguados, nunca devia ter saído, não fosse o incómodo das eleições e a ignorância do povo). Para começar, uma advertência pessoal: não sendo eleitor em França, é-me indiferente o resultado das eleições. Não há-de ser o candidato vencedor a imprimir o rumo da governação que me afecta. Quando muito, apenas o fará indirectamente, através da influência que exercer na União Europeia. Adiante lá irei.
Sendo-me indiferente a vitória de Ségolène ou do rival da direita (Sarkozy, convenientemente diabolizado pela imprensa, no afã de fazer o caminho para a candidata preferida), debato-me com a altivez incongruente dos socialistas. Eles estão cientes da vitória antecipada, tantos os cânticos de sucesso já entoados na geografia de interesses europeia. Seria sensato esperar pela maçada do sufrágio, onde os eleitores hão-de confirmar (ou não) a onda triunfante que tinge a Europa do cor-de-rosa optimista e muito moderno da Internacional Socialista. A menos que estejam a contar com a colaboração estratégica da comunicação social, instruída para educar o povo no voto certo.
Os sinais do sucesso extemporâneo são deliciosos. Reveladores da fatuidade que aprisiona os socialistas. Muita imagem para pouca substância, de mão dada com uma retórica ultrapassada pelo tempo e pelos acontecimentos. São os novos românticos que erguem as velas da nau justa contra os ventos da globalização, desses ventos que ameaçam vergar o tão amado Estado Social que eles consideram (erradamente) ser sua invenção. Eis o primeiro indicador da vitória antecipada: Ségolène é o mostruário da modernidade impante na política. A anunciada ascensão de uma mulher ao mais alto cargo da república. Vitória para os activistas da igualdade de género (voto cativado, portanto). Ségolène é, não se cansam de nos dizer, uma mulher bela. E a política precisa de beleza, da tranquila beleza feminina.
Frisam o elemento estético, relembrando a fealdade de Margaret Thatcher. Por uma vez, tenho que lhes dar razão. Só ainda não percebi por que arte a estética é garantia de boa governação. Por este andar, modelos e actrizes que passeiam a sua estonteante beleza têm um futuro garantido na política. Acima da média em termos de beleza, basta-lhes uma equipa de competentes assessores que componha a imagem pública e fabrique os discursos. É sucesso na certa. Afinal, os socialistas também contribuem para a minha boa disposição. São uns pândegos.
Porventura seria ajuizado mostrar a candidata socialista antes de o ser, ainda no papel de sombria ministra de qualquer coisa sem importância num dos últimos governos socialistas: ou seja, antes dos liftings e operações plásticas que rejuvenesceram a candidata uns vinte anos. Não é preciso mais nada: o império da estética e os truques para o refrescante embelezamento são o tónico dos socialistas. O embrulho pode ser atraente. Pena que o conteúdo seja apenas uma enorme vacuidade.
Segundo sinal do entusiasmo contagiante: as ideias de Ségolène, uma frescura desarmante. Uma nau que rema contra a maré do conformismo, a nova lutadora contra o desapiedado capital que asfixia os desprotegidos. Dir-se-ia, uma candura que desperta paixões assolapadas nos desalinhados da realidade. Há dias, aqui no Porto, discursou no congresso da Internacional Socialista. Atirou-se ferozmente ao Banco Central Europeu, criticando as sucessivas subidas da taxa de juro. Diagnóstico: um misto de ignorância e de populismo barato.
Ignorância, por passar ao lado das regras do jogo: o Banco Central Europeu limita-se a agir nos termos do mandato confiado pelos políticos que estiveram no poder antes de Ségolène. (A senhora não aprendeu nada com Jospin, um camarada que foi primeiro-ministro, que caiu no mesmo alçapão e saiu de cena antes do tempo). Demagogia, porque é conveniente atacar o Banco Central sabendo que o aumento dos juros é um garrote que asfixia o orçamento das famílias. Que interessa se, no para além do amanhã que se discerne, a subida dos juros for a medida acertada? Os políticos são mestres na arte de governar à bolina, apenas com o amanhã imediato como horizonte.
Frescura, diferença, esperança, rompimento, justiça social – eis algumas das palavras ecoadas como elogio de Ségolène. Só vejo mais do mesmo: antiquado e bafiento socialismo, na sua pior espécie – o socialismo republicano francês. Pela parte que me toca, uma terrível mágoa: muito me esforço, mas não consigo ser socialista. Nem com as artimanhas mil que vão tirando como passes de famoso prestigiador.
Há uma diarreia de crónicas arrebatadas com a viçosa candidata que promete resgatar a França para o feudo do arcaico republicanismo socialista (de onde, dirão os apaniguados, nunca devia ter saído, não fosse o incómodo das eleições e a ignorância do povo). Para começar, uma advertência pessoal: não sendo eleitor em França, é-me indiferente o resultado das eleições. Não há-de ser o candidato vencedor a imprimir o rumo da governação que me afecta. Quando muito, apenas o fará indirectamente, através da influência que exercer na União Europeia. Adiante lá irei.
Sendo-me indiferente a vitória de Ségolène ou do rival da direita (Sarkozy, convenientemente diabolizado pela imprensa, no afã de fazer o caminho para a candidata preferida), debato-me com a altivez incongruente dos socialistas. Eles estão cientes da vitória antecipada, tantos os cânticos de sucesso já entoados na geografia de interesses europeia. Seria sensato esperar pela maçada do sufrágio, onde os eleitores hão-de confirmar (ou não) a onda triunfante que tinge a Europa do cor-de-rosa optimista e muito moderno da Internacional Socialista. A menos que estejam a contar com a colaboração estratégica da comunicação social, instruída para educar o povo no voto certo.
Os sinais do sucesso extemporâneo são deliciosos. Reveladores da fatuidade que aprisiona os socialistas. Muita imagem para pouca substância, de mão dada com uma retórica ultrapassada pelo tempo e pelos acontecimentos. São os novos românticos que erguem as velas da nau justa contra os ventos da globalização, desses ventos que ameaçam vergar o tão amado Estado Social que eles consideram (erradamente) ser sua invenção. Eis o primeiro indicador da vitória antecipada: Ségolène é o mostruário da modernidade impante na política. A anunciada ascensão de uma mulher ao mais alto cargo da república. Vitória para os activistas da igualdade de género (voto cativado, portanto). Ségolène é, não se cansam de nos dizer, uma mulher bela. E a política precisa de beleza, da tranquila beleza feminina.
Frisam o elemento estético, relembrando a fealdade de Margaret Thatcher. Por uma vez, tenho que lhes dar razão. Só ainda não percebi por que arte a estética é garantia de boa governação. Por este andar, modelos e actrizes que passeiam a sua estonteante beleza têm um futuro garantido na política. Acima da média em termos de beleza, basta-lhes uma equipa de competentes assessores que componha a imagem pública e fabrique os discursos. É sucesso na certa. Afinal, os socialistas também contribuem para a minha boa disposição. São uns pândegos.
Porventura seria ajuizado mostrar a candidata socialista antes de o ser, ainda no papel de sombria ministra de qualquer coisa sem importância num dos últimos governos socialistas: ou seja, antes dos liftings e operações plásticas que rejuvenesceram a candidata uns vinte anos. Não é preciso mais nada: o império da estética e os truques para o refrescante embelezamento são o tónico dos socialistas. O embrulho pode ser atraente. Pena que o conteúdo seja apenas uma enorme vacuidade.
Segundo sinal do entusiasmo contagiante: as ideias de Ségolène, uma frescura desarmante. Uma nau que rema contra a maré do conformismo, a nova lutadora contra o desapiedado capital que asfixia os desprotegidos. Dir-se-ia, uma candura que desperta paixões assolapadas nos desalinhados da realidade. Há dias, aqui no Porto, discursou no congresso da Internacional Socialista. Atirou-se ferozmente ao Banco Central Europeu, criticando as sucessivas subidas da taxa de juro. Diagnóstico: um misto de ignorância e de populismo barato.
Ignorância, por passar ao lado das regras do jogo: o Banco Central Europeu limita-se a agir nos termos do mandato confiado pelos políticos que estiveram no poder antes de Ségolène. (A senhora não aprendeu nada com Jospin, um camarada que foi primeiro-ministro, que caiu no mesmo alçapão e saiu de cena antes do tempo). Demagogia, porque é conveniente atacar o Banco Central sabendo que o aumento dos juros é um garrote que asfixia o orçamento das famílias. Que interessa se, no para além do amanhã que se discerne, a subida dos juros for a medida acertada? Os políticos são mestres na arte de governar à bolina, apenas com o amanhã imediato como horizonte.
Frescura, diferença, esperança, rompimento, justiça social – eis algumas das palavras ecoadas como elogio de Ségolène. Só vejo mais do mesmo: antiquado e bafiento socialismo, na sua pior espécie – o socialismo republicano francês. Pela parte que me toca, uma terrível mágoa: muito me esforço, mas não consigo ser socialista. Nem com as artimanhas mil que vão tirando como passes de famoso prestigiador.
1 comentário:
Divergências quanto ao BCE à parte, concordo contigo. A Madame Royal é um embrulho bonito à espera de atrair o comprador/eleitor incauto. É isto que a esquerda socialista tem para oferecer no século XXI. Quanto à igualdade dos géneros, são perfeitamente anedóticos: querem elegê-la com base no aspecto e não no conteúdo. Um machista empedernido não faria melhor!
Quanto a comará-la com Lady Thatcher, chega a ser insultuoso, mas combina duas frustrações: a de ser socialista e a de ser Francês!
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