9.9.08

PIGS (are we?)


As metáforas são um movediço terreno. Às vezes, felizes imagens que retratam o que desfila diante dos olhos. Outras vezes infelizes metáforas, como se fosse um desbocado que põe o coração à frente da boca e solta as primeiras palavras que vêm à superfície – não pesadas palavras. As metáforas também pertencem ao domínio da relatividade. Uma metáfora pode ser genial para uns e verberada por outros, pelos que estejam do lado contrário de uma qualquer barricada. Há ainda as metáforas que tomam proporções gigantescas, quando afinal não merecem a dimensão que as virgens ofendidas lhes conferem.


O contexto: o Financial Times arranjou um novo acrónimo para os países do sul da Europa (apenas os que fazem parte da União Europeia, daí ilibando os países balcânicos). Dantes, Portugal, Itália, Grécia e Espanha eram, pejorativamente, o "Club Med". Não passávamos de destinos turísticos, onde há sol e calor e águas do mar cálidas, a caldear outras coisas exóticas que os povos da parte mais nortenha da Europa aproveitam, em hordas despejadas por aviões de companhias low cost, para retemperar forças. Curiosamente, havia muita gente nos países do "Club Med" que ficava ofendida com o epíteto. Achavam-no pejorativo. Nunca entendi tanta sensibilidade à flor da pele. Afinal, os de lá de cima, mais do norte da Europa, os que vêm tisnar as suas esbranquiçadas tezes ao sol tórrido do "Club Med", escolhem-nos para fazer férias. Não é bom sintoma gostarem de fazer férias por cá?


Agora já não somos (apenas) o "Club Med". Agora somos PIGS – acrónimo para Portugal, Italy, Greece, Spain. E a malta ficou tão ofendida! Quem se julgam aqueles bifes mal cheirosos para insinuarem que somos porcos? Anda por aí muita gente exaltando a veia nacionalista, acusando o calo pisado. As ofensas à honra pátria não podem ficar sem resposta. Assim como assim, quem não se sente não é filho de boa gente – lá ensina o sábio povo, parafraseado numa ocasião pelo funambular Santana Lopes então acidentalmente primeiro-ministro. A cereja no topo do bolo, quase a elevar o episódio à categoria de incidente diplomático: o improvável Pinho ministro da economia acabou de dizer, ao retardador como é usual, que não gostou de ler no Financial Times que fazemos parte da quadrilha suína.


Antes de mais prosa elaborada em defesa da honra latina (três quartos latina, que os gregos o não são), convinha ler as palavras do Financial Times e saber colocá-las no devido contexto. Para os que não saibam – ou que tenham convenientemente esquecido – o Financial Times é um jornal de assuntos económicos. Foi a fazer análise económica que um jornalista, no uso da criatividade com que foi agraciado, desencravou a metáfora dos porcos. Dos porcos que, em linguagem que tem tanto de simbólica como de apelo ao imaginário, descolam como se aviões fossem. E depois aterram, também como os aviões. Traduzo do inglês para o português (daqui):


"Há oito anos, os PIGS conseguiam voar. As suas economias dispararam depois de terem entrado na zona euro. As taxas de juro desceram para mínimos históricos (…). Seguiu-se uma explosão de crédito, tal como a noite vem depois do dia. Os salários aumentaram, o endividamento subiu a níveis estratosféricos, o mesmo acontecendo com o preço da habitação e com o consumo. Agora os PIGS desceram à terra."


Eis como uma inocente metáfora em análise económica se está quase a transformar num incidente diplomático. Eu não sei se quem acusa tanta dor pela sigla PIGS está, de alguma maneira, a acusar o toque. Lá vem outro adágio popular: "quem não deve não teme". E uma interrogação: os que protestam tão alto a sua ofensa terão esqueletos escondidos no armário? Ninguém gostará de ser pejorativamente tratado com suínas alusões. Mas só quem andar em pocilgas é que acusará o toque. Os outros, que de forma alguma se revêem num dos múltiplos significados do epíteto, por que hão-de ficar ofendidos?


Talvez um ponto sensível. E isto é uma exótica pocilga, com praias que atraem as hordas de higiénicos povos que vêm de lá de cima, onde o sol é coisa rara. A pocilga onde eles fazem férias, bem entendido: e quem gosta de fazer férias numa pocilga? Mais a mais, as mulheres deles adoram os suínos latinos, quando por fim descobrem as virtudes dos amantes a sério. Ah! Deve ser por isso. Puro ressentimento. No restolho do lamentável fait divers que quase tomou proporções de incidente diplomático, o lamento maior é a ofensa aos suínos. Que não têm culpa de o serem e ainda são pejorativamente colados à humanidade grotesca.


Sem comentários: