Há gente que leva muito a sério os cargos de representação institucional. O zénite de uma carreira. Pressinto um desfasamento entre o discurso de justificação para o exterior e os sentimentos interiores em que navegam. Por um lado, a solenidade da representação da instituição, a muita importância por serem rosto e porta-voz da instituição, afinal, de todos os que são o substrato da instituição. Por outro lado, lá por dentro, uma irreprimível vaidadezinha: a sinecura revela muita importância, a confiança depositada pelos seus pares, a solenidade da distinção. Lá está: o zénite de uma carreira.
Quem tem um aguçado sentido de pertença a um colectivo leva mais a sério a representação de uma qualquer instituição que corporize aquela pertença. Os indivíduos atingem a plenitude quando se agrupam num todo, o grupo que se cimenta com as afinidades conjuntas. O colectivo atinge a maioridade quando consegue pôr de pé instituições. Defende a existência através do sentido institucional e das regras que alinhavam a pertença isenta de conflitos. Uma maneira de pensar que desvaloriza o indivíduo, remetido ao papel de selvagem enquanto vive fora de um grupo, ausente das instituições que dominam o seu egoísmo. Quem assim pensa glorifica a existência de instituições, como se inclina perante a socialização – a socialização sempre voluntária, nunca forçada – do indivíduo.
Por mais voltas que estes institucionalistas dêem, a individual condição da pessoa é indeclinável. Concedo: há tantas coisas que só somos capazes de alcançar em conjunto, através de pertenças múltiplas. Isso não traduz a diluição do indivíduo no grupo a que pertence. Nem significa a concessão perante os imperativos das instituições que cimentam a pertença ao grupo. Os benefícios que cada indivíduo recolhe da pertença reflectem-se na sua esfera individual. E quando alguém decide aderir a um grupo e trabalha no seio das instituições, não o faz por desinteressado compromisso pelo grupo e pelas causas que o norteiam. Ainda que essa seja a retórica que alicerça a pertença. Ainda que seja exteriorizado um espírito de missão sempre louvável para os espíritos encantados com a entrega a causas colectivas. Não há como negar: mesmo que seja crível o desapego e o altruísmo, o impulso vem sempre de dentro do indivíduo. É uma decisão individual. A pertença e a sagração das instituições são instrumentais ao impulso individual.
Não me consigo comover com a necessária pertença a grupos e menos ainda com a sublimação das instituições como expressão máxima da pertença. Como se as reuniões plenárias das instituições fossem a sagração máxima da pertença. No imperativo de levar muito a sério a reunião plena da instituição, o momento mais solene que consolida a fortaleza do grupo. Tudo isto me soa a ficção. O grupo é uma abstracção, como a "sociedade" é a abstracção maior que violenta a individual condição de cada um. A história cauciona os piores exemplos de demissão do indivíduo perante as exigências do grupo. Como indivíduos se vêm desapossados da sua essência, entregues num altar sacrificial no putativo nome dos interesses do grupo. O pior é a cegueira da gente que se vê transformada em carne para canhão dos desígnios traçados pelos que arquitectam as causas do grupo. Eis a ficção da pertença – e do ignóbil convencimento das anónimas gentes para se sacrificarem em nome do "interesse colectivo": as mais das vezes, apenas a transposição do interesse individual do guru, que se transforma em interesse colectivo.
Pode o funcionamento das instituições temperar este efeito. Serão intermediárias entre os indivíduos e o desígnio escolhido para o grupo, sobretudo se tiverem um funcionamento democrático. Desconfio: da manipulação de gente perversa, perfidamente inteligente para moldar os interesses do grupo à imagem dos seus próprios interesses; e do acomodamento de uma imensa maioria, acriticamente seguidora de quem consegue mobilizar gente à sua volta. Ao fim e ao cabo, as instituições são o retrato dos interesses de indivíduos predestinados que convencem os outros a tomar os seus interesses individuais como interesses do grupo.
Admito: esta retracção pelas pertenças e pela solenidade das instituições tem, como pano de fundo, um individualismo circunspecto. Ou o mau feitio impenitente. A persistência em permanecer desalinhado, um orgulho em ser ovelha sempre tresmalhada dos rebanhos ordeiros. É por isso que adoro a elevada importância da gente que leva muito a sério a sinecura institucional. Lá no fundo, a vaidade dos penachos.
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