Que é para que não digam que faço sempre pontaria para a personagem, sempre pronto a desembestar a artilharia pesada. A comiseração tem destas coisas: ficamos com o coração apertado quando diante dos olhos desfilam os desgraçados a mendigar ajuda.
Estas dicas vêm inspiradas pelo que os olhos viram numa cadeia de supermercados chilena. Ao fazerem o pagamento numa caixa, os clientes dão de caras com dois funcionários: um passa as mercadorias e regista a contabilidade dos gastos do cliente; o outro coloca as compras dentro dos sacos, dispensando os clientes dessa função tão maçadora e extenuante. O supermercado tinha, talvez, uma dezena de caixas em funcionamento. Em todas elas a gerência tinha colocado dois empregados, dois. E não é que houvesse uma enxurrada de gente a fazer compras. À espera nas filas não estavam mais do que duas ou três pessoas.
Mal vi aquilo, fui logo assombrado pela imagem do "engenheiro" – o que me levou a amaldiçoar a ida ao supermercado; tivesse trazido o creme de barba e não tinha sido assaltado pela assombração do "engenheiro" até a mais de dez mil quilómetros de casa. Desenganei-me: nem com esta distância a figura deixava de povoar os meus pensamentos. Maldita patologia.
A forma de dar a volta ao funesto episódio foi embevecer-me com o ar compungido, já nada arrogante, com que o "engenheiro" se faz passar depois do partido que comanda ter lambido as feridas de uma derrota humilhante nas eleições europeias. Lá se diz: a necessidade aguça o engenho. E de engenho entenderá o "engenheiro" – ou não houvesse aqui uma ressonância semântica entre as duas palavras. Também fui na esparrela, na mesma cilada em que, receio, uma maioria de eleitores vai cair. Lá estava eu no papel de conselheiro de imagem, ou de ideólogo do regime (que nem sei o que será pior), um pesadelo acordado, traçando as bissectrizes da estratégia eleitoral do partido do "engenheiro".
Para começo de conversa, diria, com paninhos quentes que sua excelência não gosta de ser contrariado, que também tem problemas com os números (faz lembrar um antecessor do mesmo partido). Por mais que torça os números, não há volta a dar: a grande bandeira da anterior campanha eleitoral só conseguiu provar que não passava de demagogia barata. Prometeu – diria, afiançou, que o "engenheiro" não deixa as coisas pela metade – que ia criar cento e cinquenta mil postos de trabalho. Mas nem o maior dos ilusionismos numérico o acode. Quando chegar a altura de prestar contas do mandato, terá muita gente a pedir o seu pescoço porque não soube cumprir a promessa e o desemprego subiu. De nada valerá invocar a crise em seu favor. Será obsceno se o fizer, pois o eleitorado não é tão ingénuo como parece e saberá perceber que o "engenheiro" sacode a água do capote se tudo justificar com a problemática crise.
Para tudo há solução: com o ror de hipermercados que há na terra governada pelo "engenheiro", decretava-se por lei a presença de dois funcionários em cada caixa registadora. Em homenagem a uma das vacas sagradas da pós-pós-modernidade em que já entrámos – os direitos dos consumidores, pois podem ganhar bicos de papagaio se tiverem que manobrar as compras para dentro dos sacos em que vão acamar. Porventura a lei seria mais ousada: exigiria três-funcionários-três em cada caixa registadora. O terceiro, contratado depois de passar por exigentes testes de aptidão física, teria a incumbência de levar as compras até ao automóvel dos fregueses. Não eram cento e cinquenta mil empregos que ficaríamos a dever à iluminação do "engenheiro" (enfim, ao meu rasgo; mas os conselheiros ficam sempre na sombra; os holofotes todos a recaírem sobre os artistas da companhia): por cálculos acabados de fazer em cima do joelho, seriam para aí meio milhão de novos empregos. Acabava-se o desemprego! O "engenheiro" e o seu partido (não necessariamente por esta ordem) ganhavam as eleições com uma perna às costas.
Talvez o mais difícil fosse convencer o outro engenheiro – este devidamente sem aspas, de seu nome Belmiro – a afundar na penúria. Não é que a medida tivesse condições de vingar a bem, pois o engenheiro não ia fazer a vontade ao "engenheiro". Tudo tem uma solução: na véspera das eleições, nacionalização dos hipermercados. E até a extrema-esquerda caviar se enamorava pelo "engenheiro".
(Em Santiago do Chile)
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