21.7.09

Desvio de percurso


Sabes? Nem sempre a linearidade de uma recta é o caminho mais curto entre dois pontos. Os trajectos que devemos fazer, num destino que buscamos, por vezes exigem desvios. É que os prometidos itinerários planos, sem as armadilhas de sinuosas curvas, são às vezes o algoz do lugar que pretendemos alcançar. Convida a sensatez a não esboçar apenas precipitadas conclusões. Pois nelas se encontram os inesperados precipícios de onde não há recuo possível.


Olhas o mapa, com o emaranhado de caminhos debruados a cores diferentes: a diferença entre as estradas principais e aquelas a que fica destinado um papel secundário. Traças as bissectrizes entre o lugar onde estás e o lugar a que queres chegar. O rápido raciocínio, aquele que se edifica em cima do joelho, trata de encontrar os pontos que unem os lugares. É o itinerário que julgas ser o mais fácil, por onde a viagem se faz sem sobressaltos. Como se vogasses em mar alto, mas um mar chão pela ausência de vento que deixa as águas adormecerem no seu próprio leito acalmado. Os imponderáveis estão à espreita à medida que cavalgas na estrada que aparenta uma langorosa acalmia. Nessa altura, o caminho já não tem regresso. Podes ser apanhado no contratempo que a estrada falsamente atraente semeou no caminho, ou pode a marcha ser interrompida sem que saibas o motivo.


Sabes? É o que dá tomar decisões com o receio de que a voragem do tempo as remeta para o santuário dos arrependimentos. Quantas vezes tomas uma opção ou dizes palavras empurrado pela pressa da vida? E, depois de teres tomado as opções que tomaste, ou de teres alindado um acto com as palavras mais desastradas, que merecimento tem o arrependimento que estala, doloroso, dentro do corpo?


Toda esta urgência que toma conta de nós é das maiores adversidades que temos pela frente. A pressa em dizer as palavras que depois são as que não deviam ter sido ditas, ou a pressa em tomar uma decisão que depressa remetemos ao altar dos equívocos, é o mostruário da impaciência que nos consome. A certa altura assalta o fantasma da leviandade: e confundes a urgência das coisas, ditada pela fobia de que o tempo é sempre tão escasso, com a impaciência das decisões e das palavras que devem ser tomadas e ditas a qualquer custo. É neste contratempo que macera a angústia.


Atrás da cortina que desvenda a espessura do tempo corre a dimensão escondida das coisas. É lá que reside a pacatez das palavras ponderadas, das opções sopesadas. Detrás dessa cortina, nos interstícios do ditatorial tempo que nos aprisiona à voracidade das palavras que têm urgência em serem ditas, habitam as estradas desconhecidas onde encontras uma quietude invulgar, a insondável placidez da existência. É como se o tempo deixasse de ser escasso e a urgência em passar pelo tempo perdesse a sua prioridade. Já não haveria obrigação de dizer as palavras quando as pessoas por elas esperam. Ou de tomar as decisões quando toda a plateia espera, apressada, pela decisão.


Saberás, então, que é preferível um desvio de percurso em vez de arremeter pelo caminho mais apetecível. Terás que experimentar outras possibilidades. Testá-las num laboratório que te é dado a visitar pelos caminhos alternativos que podes percorrer na fuga à linearidade da estrada mais fácil. A sensatez não se compadece com a impaciência de tudo quereres arrebanhar ao mesmo tempo. Toma o desvio do percurso não como um desvio de percurso: toma-o como teu destino, o que cauciona um despertar de sensações que nunca conheceras, ou a visitação de lugares que seriam o manto do maior arrependimento se te mantivesses no véu da ignorância.


O saber de ti, e do universo em que vives imerso, exige o desvio de percurso como tirocínio necessário. De uma aprendizagem que nunca termina.

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