1.7.09

Novos partidos que dão à costa – ou o refrescamento da paisagem partidária


É aquela coisa da fome e da fartura. Não sei se será por me ter convencido, nas últimas eleições europeias, que deixaria para trás o habitual registo abstencionista. Agora confronto-me com o problema contrário – um problema de fartura na escolha. Isto a propósito de notícias recentes que dão conta da possível criação do Partido Pirata e do Partido pelos Animais.


Para começo de conversa: sou daqueles que considera que os "partidos tradicionais", aqueles que dominam a paisagem política, estão exaustos, perderam credibilidade. Mesmo aquela extrema-esquerda que passeia a sua superioridade moral por estes dias que parecem caídos que nem sopa no mel para as suas conveniências, pois o repto que lhes surge pela frente é esquizofrénico: ou morrem, ou morrem. Se teimam em ser um partido anti-sistema, esgota-se um projecto; e se dão o braço aos socialistas perdem a sua identidade. Já para não falar dos partidos do bloco central, comidos pela muito demorada partilha do poder e pelo medíocre desempenho. Ou dos comunistas que pararam no tempo, tão saudosos de uma ortodoxia ideológica a que está destinado um lugar de museu. Ou, ainda, do errático CDS, mais preocupado com a sobrevivência e em dar luta às empresas que produzem sondagens – como se isso fosse relevante causa de empenhamento político.


É pena que a esmagadora fatia dos eleitores prefira o certo ao incerto, mesmo quando o certo equivale à mediocridade. Estão habituados a depositar o voto nos partidos que conhecem. Os mesmos partidos que depois são acusados do degradante estado em que a política se encontra, pelas oportunidades de desenvolvimento que vêm sendo perdidas. Parece que esse eleitorado gosta de persistir no erro, uma e outra vez mais. Parece que tem uma atracção incontrolável pelo tiro no próprio pé. Os pequenos partidos mal conseguem soerguer a cabeça à tona da água. Andam sempre longe de votações que os ponham no limiar de um deputado no parlamento, ou de conquistar vereações em autarquias. Não conseguem seduzir o eleitorado, que insiste no conservadorismo da escolha dos de sempre.


Porventura precisamos de pulverizar a paisagem política. Para permitir que pequenos partidos entrem no parlamento. Contra as pitonisas da "estabilidade", que se desconsideram a si mesmas e à população de que fazem parte, desfiando um argumentário impregnado de coação psicológica – ou há maioria absoluta, ou temos "ingovernabilidade". Tenho opinião diferente: acho que ainda não atingimos (quando digo "atingimos", quero-me referir aos actores políticos) a maioridade democrática para não se confundir maioria absoluta com autoritarismo. Ao contrário. O caos, só se for na cabeça de gente que medra no estigma mental herdado da salazarenta maneira de ver o mundo. Essa gente devia ler sobre formas consociacionais de governação – onde o poder é partilhado por mais do que dois partidos, com partilha de responsabilidades e clara divisão de tarefas.


Os novos pequenos partidos refrescam a bolorenta paisagem partidária. Renovam-na através de inovadores programas políticos. O Partido Pirata pretende um novo enquadramento dos direitos de autor que elimine o estigma que pesa sobre os programas informáticos de partilha de ficheiros, desde que se restrinjam ao uso pessoal. Pelo meio há alguma demagogia – a retórica do combate aos interesses poderosos das grandes editoras que açambarcam parte considerável dos lucros dos direitos de autor. O que mais me atrai nas ideias do Partido Pirata é a defesa intransigente da privacidade dos utentes e preconizarem uma legislação de protecção dos direitos de autor que deixe de ser anacrónica, que perceba que os tempos mudaram e que a lei não acompanhou a evolução da tecnologia.


No Partido pelos Animais seduz-me uma mensagem que rompe com o antropocentrismo de que a "civilização" se gaba como um dos sinais distintivos da putativa superioridade civilizacional. Nunca consegui entender as vistas curtas de quem fez e faz leis: um animal tem um estatuto jurídico de coisa, tão coisa como a mais das inanimadas coisas! Se alguém envenenar um animal de estimação e o execrável acto ficar provado em tribunal, o mais que arrisca é a suportar uma irrisória multa. Ainda que tenha provocado injustificadamente a morte de um animal. E causado uma imensa dor ao dono do animal. Defendo que faz parte de um amadurecimento da espécie humana a consagração de direitos aos animais. Para que, de uma vez por todas, deixemos de ter uma relação sobranceira com os animais, que é o covil onde se acoitam todas as atrocidades sobre animais. Atrocidades que têm o condão de apoucar quem as comete.


Lá está a questão da fome e da fartura: é que me apetece votar nestes dois partidos ao mesmo tempo…

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