30.7.09

Ibéria à vista?


Aos amantes da portugalidade.


Deve haver por aí muita gente interessada em destruir a, dizem, nação mais velha da Europa – ou, pelo menos, a que tem as fronteiras estáveis mais duradouras (como se essa fosse uma credencial de grandiloquência pátria). Deve haver muitos traidores à pátria que, volta e meia, recuperam a herética "união ibérica". Desta vez, os amantes da sacrossanta portugalidade dão um desconto e esboçam um esgar de desdém: afinal, a mais recente manifestação de iberismo teve origem num barómetro de opinião publicado pela Universidade de Salamanca.


Um número chocante – repita-se: caso isto não viesse de uma universidade acoitada nessa terra de onde nem bom casamento nem bom vento nos chegam – foi este: quarenta por cento de portugueses não têm problemas em aceitar a união ibérica. Curiosamente, quando os espanhóis foram interrogados apenas trinta por cento alinhou pelo mesmo diapasão. Um repto aos que defendem o mito da portugalidade intangível: ponham de parte o preconceito (acharem que este estudo não é imparcial porque foi feito por uma universidade espanhola) e confessem se não ficaram apavorados com tão elevada percentagem de patrícios que gostariam de viver sob uma nova bandeira – a da união ibérica. Já sei a resposta: a maioria (sessenta por cento) ainda rejeita a hipótese. Firmes, as âncoras da portugalidade. Quem falou que esta era uma notícia alarmista?


Há ali uns números que me causaram perplexidade (ou, como ouvi hoje aquele inefável senhor que se diz representante dos pais dos meninos que andam nas escolas, "senti-me perplexizado"). Julgava que os espanhóis eram imperialistas. Os que cultivam os rituais da divinizada portugalidade vêm fantasmas a acenar, ameaçadores, do outro lado da fronteira. Fazem rezas para afastar o satanás do iberismo. Temem que a ibéria seja apenas um encapotado motivo para tornar a Espanha ainda mais imperial. Anexando o cantinho onde, a ocidente, termina a península ibérica. Ora, se estes fantasmas fizessem sentido, expliquem-me como só trinta por cento dos espanhóis gostariam de se unir a nós? Reparem: setenta por cento dos espanhóis não querem estragar a sua hispânica grandiosidade fundindo-se com os pequenotes dos lusitanos. Ainda sobram alguns fantasmas?

No mesmo dia em que o barómetro foi divulgado, o banqueiro do sistema (o dono do BES) deitou mais gasolina para a fogueira. Defendia uma das suas damas – todos as obras públicas elefantes brancos que o governo do momento quer plantar. Para o banqueiro, as tão polémicas obras públicas (TGV e aeroporto) são imprescindíveis para construirmos a ibéria (não sei se hei-de escrever com i maiúsculo ou minúsculo). Diriam os amantes da portugalidade, eles também tão seguidores de teorias da conspiração: isto foi tudo combinado – a divulgação do estudo da Universidade de Salamanca e as palavras do patriarca da banca indígena.


Os pesadelos dos tributários da santa portugalidade ainda não tinham terminado. Redobraram as cefaleias nos que dedilharam as páginas do Diário de Notícias de ontem, quando o único laureado com o Nobel da literatura comentou o caso, concluindo desta forma: "(…) o futuro já está escrito, nós é que não temos ainda a ciência necessária para o ler. Os protestos de hoje podem tornar-se em concordâncias amanhã, também o contrário poderá suceder, mas uma coisa é certa e a frase de Galileu tem aqui perfeito cabimento. Sim, a Ibéria. E pur si muove..."


Há algo na alergia dos arvorados da portugalidade que me mete espécie: o que os incomoda é a altissonante ideia de uma união ibérica, não a conquista do pequenote pelo chauvinista grandalhão. Só que, numa união, os dois perderiam a identidade a que os cultores do nacionalismo (dos dois lados) se habituaram. Os dois, e não apenas o mais pequeno. A menos que continuem a dar para o peditório de uma conspiração qualquer e descubram na "ibéria" um pretexto para o grandalhão abocanhar o pequenote.


Hoje da manhã, primeiras informações da bolsa de valores de Lisboa (essa coisa esotérica): as acções do BES eram as que valorizavam mais, acima dos três por cento. Cheira a causalidade?

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