Esforço-me. Evito os noticiários na televisão. Nos jornais, salto a secção política. Mas não consigo. Há um cerco noticioso, e insidioso, que me assalta. Não consigo passar uma semana sem que dos dedos desçam ao teclado do computador umas palavras sobre o impressionante primeiro-ministro. O primeiro-ministro que, todo ufano e cheio de soberba, assegurou que está para nascer primeiro-ministro que consiga apresentar melhor défice orçamental.
Todos temos direito aos nossos "momentos José Mourinho" – pensei para com os meus botões ao ler aquela assombrosa firmeza. E não consegui reprimir a ideia de ver a personagem a mirar-se no espelho, no espelho com dotes de prestidigitador, e a interrogá-lo: "espelho meu, espelho meu, diz-me se há melhor primeiro-ministro do que eu?"
De repente apeteceu-me saber de psicologia. Apeteceu-me mergulhar nos meandros insondáveis da mente humana, esquadrinhar os ensinamentos da psicanálise. Só para entender os corredores interiores da mente de uma personagem que tem tanta necessidade de se afirmar a si mesmo. Mas para quem? Para quem o elege, ou para si mesmo? Algo vai mal naquela cabeça quando se nota a urgência em excitar em público as – na sua maneira de ver – maravilhosas qualidades. Sempre convivi mal com arrebatamentos de narcisismo. Tenho para mim que os que se embrulham no lençol narcísico têm problemas mal resolvidos com o passado e são uma aparência de si mesmos no presente. Quem não tem dúvidas das suas qualidades não precisa de se vangloriar em público.
Os zelosos fazedores de imagem – afinal, o que mais conta nesta figura – deviam aconselhar o senhor primeiro-ministro a ter mais humildade. Posso estar enganado no diagnóstico, mas a sobranceria com que aparece a reclamar para si o estatuto de melhor primeiro-ministro da história (e, porque não, até de todo o futuro que está para vir) é contra-producente. Desconfio que as pessoas não suportam a vaidade a rodos dos narcisistas que se colocam nos píncaros. Porventura há aqui uma inspiração no famoso treinador Mourinho, que não se cansa de afirmar em público que é o maior da classe. E como tem um numeroso séquito que assina por baixo o auto-panegírico, os consultores do primeiro-ministro quiseram decalcar as personagens e o método. Saltaram um importante aspecto: só se compara o que é comparável e quem é comparável.
Sim, sei que sou suspeito e que desenvolvi um – por assim dizer – ódio de estimação pelo senhor primeiro-ministro. Portanto, não sei se exagero ao concluir que a sobranceira narcísica não ajuda a compor a sagrada imagem que a figura adora cultivar. Caso estivesse preocupado com o destino da personagem – o que não é o caso – aconselharia moderação e humildade. É que os "momentos José Mourinho" fazem sentido naqueles que têm razões para os reclamar. Por mais que o primeiro-ministro ache que esse é o seu caso, que se convença, de uma por todas, que só se for naquele universo muito restrito dos seguidores que o endeusam e do espelho onde se fita, o espelho que o convence a exercitar o auto-panegírico. Este primeiro-ministro narcisista é uma cacofonia.
Já o disse, acho insuportáveis os narcisismos. Mesmo aqueles que até têm razão de ser, pelas qualidades de quem se eleva ao púlpito narcísico. Quando alguém reclama a si um estatuto narcísico que só nos seus próprios sonhos faz sentido, o máximo que consigo é esboçar um sorriso que mistura desdém e comiseração. No caso do primeiro-ministro, a fobia pelo narcisismo fala por si: diria o psicanalista, talvez um passado atormentado, as inseguranças muito bem mascaradas pela pose assertiva, o expediente do narcisismo para ocultar o passado pontuado pelo negrume e o tapete de inseguranças debaixo dos seus pés.
Estou neste desconforto: volta e meia, lá ando às voltas com o furibundo incómodo que a personagem me causa. Mau de mais para ser verdade, a personagem e a pessoal irritação que me causa. Quando é que, de uma vez por todas, cumpro a promessa de deixar de escrever sobre a figura?
1 comentário:
Mas que soberba, para si tão especial, pode ser a do primeiro ministro, tão diferente da dos outros que já foram, e até de quem mais, se apronta para vir a ser? Aponte-me um primeiro ministro que seja, após o malogrado, que é mesmo assim, 25 de Abril, que tivesse feito qualquer feito, pelo qual mereça figurar com especial destaque na história da democracia portuguesa! Pois eu digo-lhe já um, que para sempre figurará como um miserável ambicioso! Durão Barroso! Nunca ou jamais me esquecerei daqueles olhos brilhantes de contentes e do deslumbramento que esparramava, visível até para o mais distraído, aquando da vitória do PSD! Parecia uma criança a quem foi oferecida a primeira bola de futebol!Eu, que não sou nem psicóloga, nem psicanalista, nem credenciais tenho, que me possam valer para acreditar o meu conhecimento, soube naquele instante e com absoluta certeza, que Portugal iria conhecer um período negro, um tempo de trevas! Que é bem melhor esquecer! De todos os outros aspirantes a primeiros, que teimam em pôr-se em bicos de pés para melhor sobressaírem, direi, apenas e somente, que são todos as mesma mediocridade! Inventem-se, pois, novos políticos!
Enviar um comentário