20.7.09

Erva daninha


As insistentes ervas daninhas. Malsãs, insinuam-se na sua aparente beleza trágica. Instalam-se junto das outras ervas. Prometem salutar convivência. A certa altura, atraiçoam o destino às outras ervas. As ardilosas daninhas agigantam-se em imparável maré. Uma nociva mancha que derrota as inocentes ervas, estas convencidas que as daninhas não eram daninhas. Só sobram as daninhas. Todas as outras, vítimas da sua sanguinária sofreguidão.


Não há nelas complacência. Nasceram para se alimentarem no espaço onde estava a restante flora. Contentar-se-iam com um canto só para elas? Seria esbarrar na natureza que lhes foi destinada: a sua função é tomar os domínios que são de outras ervas, saneá-las desses domínios, extingui-las, caso seja preciso, do mapa da flora existente. É como se fossem sórdidos conquistadores do espaço que só é vital enquanto for ocupado pelas ervas rivais. A sua sobrevivência não pactua com a existência da demais flora. São elas ou elas, daninhas e nada mais. A sublime aleivosia do monopólio da flora. Colonizadores que enquistam a sua crueldade, com um fatal veneno para a flora que fora no engodo.


Enquanto empreendem na conquista de terreno onde repousam outras ervas, congeminam-se em seus planos macabros. São prolíficas na sua multiplicação. Servem-se da reprodução vertiginosa que lhes arregimenta um numeroso exército que destitui as ervas rivais do espaço que era delas. Parece, então, que há mecanismos da natureza que provam como ela está longe da perfeição reclamada pelos adoradores do equilíbrio natural. As ervas daninhas serão a melhor expressão da impura natureza que se proclama perfeita. Só o serem consideradas daninhas explica o desequilíbrio que estas ervas provocam. Sem pesticidas ou a empenhada acção de jardineiros, se a inércia estivesse à espera da regeneradora natureza, só haveria espécies nocivas sobrepondo-se às que o não são.


As daninhas ervas são resistentes: vão aprendendo a viver do veneno que lhes dão. Nisto, uma admiração: a impressionante capacidade de aprendizagem aos ambientes hostis quando ficam à mercê de drogas que as querem exterminar. A interrogação: não são as ervas daninhas uma criação da natureza? E outra: e afinal a natureza, esta natureza na sua feição mais sombria e devastadora, não retoma o atributo da perfeição que tantos para ela reclamam? Se as daninhas ervas iludem as drogas que as querem matar, há melhor expressão de uma espécie próxima da perfeição?


Contudo, elas são a imagem tenebrosa de uma mão destruidora. Tal como se fossem cicuta ungida à medida que se arrastam na conquista de domínios. São corajosas porque avançam com a vantagem dos números. É a multiplicação avassaladora que lhes dá a vantagem. Mas é uma falsa coragem. Uma luta desigual entre exército numeroso e outras ervas que sucumbem perante o cerco mortífero. Que glória existe quando é a força bruta que leva um adversário à prostração?


Ervas daninhas. Por todo o lado. Metáforas, ou não. O pior das daninhas ervas é o sobressalto que nos provocam; à vista do desassossego, damos-lhes muita importância. Temos olhos sempre abertos para a maré de ervas daninhas que se anuncia ao longe. Deixamos de olhar para as coisas belas enquanto nos armamos contra as ervas daninhas que ameaçam. Será a melhor maneira de lhes conferir a importância que elas não mereciam. Quando damos conta, já nem sabemos a cor das boas ervas, tão afogueados com o combate desigual contra as ervas daninhas. Nessa altura, as ervas daninhas já tomaram conta da existência. Mesmo que ainda não nos tenham derrotado, no simples esquecimento de contemplar as boas ervas ecoa o princípio de derrota.


Falta saber: se algum dia as ervas daninhas forem erradicadas (num sempre temporário "por enquanto"), ainda sobrará a memória das boas ervas? Nisso, e nisso só, as ervas daninhas venceram mesmo quando julgamos que as derrotámos.

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