Pela primeira vez na vida, fui "inquirido" para uma sondagem. Uma menina da Universidade Católica tocou à campainha. Quem atendeu foi a (usando linguagem camoniana – e não só) minha amada. Como estava ocupada, teve que declinar o convite da menina. Quem se chegou à frente fui eu.
Eis o embuste das sondagens: como cá em casa temos preferências políticas diferentes – uma saudável emanação da democracia em versão familiar –, a repetição deste tipo de "acidentes" distorce os resultados das sondagens. Se fosse a outra metade da sociedade conjugal a responder ao inquérito, um dos partidos gordos seria beneficiado. Como fui eu, manifestamente alguém que tem mau feitio e não se revê nos partidos dominantes, olhei para as opções inscritas no boletim de voto e nenhuma me seduziu. Dobrei o voto, que entrou no simulacro de urna tão virgem como a simpática menina mo pôs nas mãos. Por um acidente de percurso, a lista que seria escolhida pela outra metade da sociedade conjugal vai ter nesta sondagem um resultado inferior ao que teria se ela não estivesse ocupada.
Isto não chega para contestar a proclamada cientificidade das sondagens? E, mais importante, não chega para se dar menos palco às sondagens? Cada vez mais me convenço que há ali encomendas encapotadas: o eleitorado é olhado como um rebanho acéfalo que se deixa influenciar depois de ler os números das sondagens. Digo isto porque, desde criança, sempre adorei surpresas. Os institutos que vendem as sondagens como coisa muito científica (e não uma versão mais elaborada de pura astrologia), agarrando-se à tábua de salvação da matemática como se a matemática fosse um código cheio de divinas certezas, são uns desmancha surpresas.
Agora que as autoridades competentes obrigaram os institutos de estudos eleitorais a divulgar a ficha técnica das sondagens, ficamos a saber, em letra pequenina, que a margem de erro não anda longe de 5%. Há tempos, um economista com elevada proficiência matemática provou a infalibilidade daquela margem de erro. Pode ser estatisticamente infalível. O que a matemática não pode combater – e, com ela, os institutos de estudos eleitorais – é a ocorrência de acidentes de percurso como o que ontem aconteceu lá em casa. Ao menos deviam dar instruções às prestáveis meninas que fazem o trabalho de campo para não aceitarem o voto no simulacro de urna que carregam a tiracolo quando acontecer o que ontem aconteceu; é que nas casas em que batem à porta, a probabilidade das escolhas eleitorais dos consortes serem diferentes é (como dizer?) elevada.
O que me traz outra dúvida. Na sondagem para as eleições autárquicas no Porto que a Universidade Católica vai divulgar dentro de dias, um dos partidos tubarão vai ter menos um voto do que teria se na minha vez tivesse sido inquirida a pessoa que atendeu a menina das sondagens. Não é só um voto; é a projecção matemática desse voto: quantos pontos percentuais representa na sondagem o singelo voto desviado? Agora viremos o cenário ao contrário: e se no dia da visita da menina da Universidade Católica eu não estivesse em casa? A resposta ao inquérito e a escolha na imitação do boletim de voto iriam no feminino. Boas notícias para um dos partidos tubarão. E fico na dúvida: com esta sucessão de incidentes, o que sobra do rigor das sondagens?
As eleições europeias foram um cataclismo para os institutos que fazem sondagens. Tiveram uma derrota estrondosa ao saber-se que os resultados eleitorais desmentiam todas as sondagens que andaram a fazer em vésperas de eleições. Nessa altura, alguns dos gurus da especialidade meteram a viola no saco e começaram a falar mais baixinho, com mais humildade. Agora anunciam que põem à nossa disposição "previsões" ou "estimativas". Avisam que há muitas variáveis que não conseguem controlar. Em jeito de exculpação pelo erro grosseiro de "estimativa", um deles disse em entrevista que o maior inimigo das sondagens é a abstenção: quando ela é elevada, como o foi naquelas eleições, não há método científico que resista e lá vai pelo cano do esgoto o labor dos fazedores de sondagens.
Gostei de ver o acto de contrição. Pode ser que as sondagens (ou "previsões", ou "estimativas", ou lá o eufemismo que queiram inventar) percam o protagonismo que tinham ganho nos últimos anos. Pois não podem ser as sondagens a ganhar (ou a fazer perder) eleições. Para os mundos faz-de-conta, já chegam as lamechices das telenovelas.
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