As horas voam com uma lentidão exasperante? São os dias que nunca mais passam, os anos que se parecem arrastar como se tudo fosse um demorado sacrifício? Discute-se se a nossa dependência (correcção: dos que somos dependentes) em relação ao último grito tecnológico, em que a velocidade é impressão distintiva, não alimenta aquelas interrogações. Uma pandilha que destrói a qualidade de vida: acessibilidade, velocidade de acesso, comunicabilidade, informação.
Há o outro prisma por onde podemos espreitar: que mal há em sermos viciados no trote estonteante das tecnologias que aterram à nossa porta? Dizem alguns velhos do Restelo: eis a alienação a que somos convidados, e nós, tão ingénuos, alistamo-nos na alucinante farra. Depois, são os pontos cardeais que se voltam do avesso. Perde significado o que fazíamos outrora. Quem lê tantos livros como dantes, se agora as tecnologias e a sua velocidade que assoberba nos retiram do prazer da leitura? Como dependência que é, com o mal patológico que dizem ser inerente às dependências, cultivam-se rituais que se transformam em rotinas, doentiamente repetitivas. Os velhos do Restelo sentenciam: sobram apenas uns vestígios do que éramos outrora. Com o olhar baço que fita o distante passado de que se sentem nostálgicos, nota-se-lhes a desilusão pela humanidade em acelerado estado de auto-negação.
Regresso à casa da partida – o desprazer pela vida que se consome à velocidade supersónica. É paradoxal: voamos pelo tempo como se a existência merecesse uma brevidade assustadora. Por que temos pressa para tocar tudo, como se tudo apenas merecesse ser tocado ao de leve, com uma superficialidade que tresanda a ignorância? É quando os detractores asseguram que não merecemos a existência que temos. Sempre tão curta existência e nós – atarantados pelas fibras ópticas que semeiam a velocidade estonteante, absorvidos por "redes sociais" e quejandos, refugiados na alta torre de marfim em que a nossa casa dotada de computador e de uma ligação impetuosa ao mundo – nós, tão cegos pela inebriação das tecnologias que cavalgam no dorso do tempo, nem damos conta da vida que se esfuma entre os dedos.
É possível que o dantesco diagnóstico esteja correcto. Dou comigo viciado em tudo isto. Parece-me impossível regressar à idade das cavernas (entenda-se, à pré-história onde todas estas facilidades nem sonho eram). Serei menos pessoa e mais autómato? Ou será a espécie que se redesenha em função das circunstâncias? É um bom tema para antropólogos: eles sabem que a espécie humana foi mudando com o curso do tempo. Os que julgam que a humanidade se enquista no imobilismo tão do agrado de um conservadorismo indeclinável não aprenderam nada se leram livros de história.
Haja vontade para sermos o que nos apetece ser nos momentos jubilados para cada papel que a nós reservamos. Talvez a dependência o não seja, nem menos patologia. Se soubermos encontrar a vontade para arrumar o computador num canto, nem que depois sopre a estranha sensação do exílio forçado numa ilha isolada, como se estivéssemos longe de tudo e de todos, em nós estão as forças para recusar o vício. E mesmo que nem desta vontade consigamos encontrar por dentro de nós, que seja tolerada a liberdade de quem por aí for. Incomodam mais as pinceladas de catástrofe dos serventes do imobilismo do passado que os viciados na velocidade galopante da tecnologia, da informação, da voragem pela comunicabilidade.
A cada um, o seu ritmo. Aos adoradores da vida em câmara lenta, as suas razões, o seu direito à alentejana, pausada forma de ser. E aos frenéticos bon vivants da voragem desatada, que seja permitido sê-lo sem receberem a desagradável notícia de quem lhes aponte o dedo por serem cultores da existência à velocidade supersónica. Fica isto dito aos que se enamoram da existência como um vagaroso regato sem pressa de tragar o caudal por diante: há quem queira passar depressa pelo tempo, porventura por temer que o tempo se esgota sem aviso prévio.
Quando assim é, a vagarosa forma de ser é uma angustiante espada pendida sobre o pescoço.
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