Já cansam. Os arrufos entre suas excelências, o senhor presidente da república e o senhor primeiro-ministro. A comunicação social, como de costume sequiosa de episódios sanguíneos, puxa lustro aos galões da linguagem muito formal e chama-lhe "conflito institucional". Eu, mais terra a terra, prefiro retirar o arsenal cosmético da linguagem e chamar-lhe desvergonha.
Ontem, o gabinete do primeiro-ministro mandou o recado através da comunicação social, dando conta da irritação com a presidência da república. Consta que o presidente da república ficou aborrecido porque o primeiro-ministro faltou ao encontro semanal para estar presente nas jornadas parlamentares da seita socialista. Quem o manda ficar aborrecido? Se ficou abespinhado, que guarde para si o abespinhamento, só para não incomodar os intocáveis socialistas. Pelo caminho, Sérgio Sousa Pinto, aquela inefável personagem que foi líder da juventude socialista (o que assegura pergaminhos pouco recomendáveis), puxou as orelhas ao senhor presidente da república porque este teve o "desplante" de opinar que as suas prioridades do momento não são a legalização do casamento dos homossexuais. Vejam lá o topete do senhor presidente da república, que devia era estar bem caladinho. Ficamos sem saber o que a seita socialista pretende do senhor presidente da república: ora pedem para ele falar, para pôr a oposição em sentido, calando-a no parlamento; ora exigem que se cale. Se dúvidas houvesse da desorientação da seita socialista, ainda não habituada à ideia de que já não tem maioria absoluta, ficavam desfeitas. Habituem-se à ideia.
Esta gente não parece merecedora dos cargos que ocupa. Por isso, só faz sentido retirar o "senhor" que antecede as sinecuras respectivas. Não sei se será por sermos geneticamente atreitos ao circo – um povo com pão e circo que se basta a si mesmo –, temos um presidente da república desastrado que vai caindo nas ciladas do desnorteado primeiro-ministro. O exemplo de ontem: em vez de deixar o primeiro-ministro a falar sozinho nas suas lamentáveis queixinhas, divulgou um comunicado que respondia ao comunicado do outro gajo. Merecem-se um ao outro. E talvez se possa concluir que, por eles, somos nós, que em maioria os escolhemos, que nos merecemos mergulhados na nossa mediocridade.
Diante disto, renovo as juras interiores para me alhear das notícias. Só apetece um exílio sem de cá sair, o exílio que se descobre pelas portas e janelas que se encerram à comunicação social tão entusiasmada com estes abstrusos episódios de ciumeira entre iguais. É que estes arrufos são típicos de duas personalidades miméticas. Confirma-se, ainda, que a política se abastardou de vez. Não são os politólogos que têm protagonismo. Cederam perante os supostos gurus da comunicação, que alinhavam as tácticas ao sabor do momento. Pois é disso que se trata: um amontoado de tácticas esparsas, que não se podem confundir com uma estratégia com fio condutor ao longo do tempo. Esses gurus da comunicação e do marketing, que tentam embelezar a figura do primeiro-ministro, compõem o clima de guerrilha que, julgam, serve os propósitos do grande, querido líder que anda deprimido por já não poder governar sozinho, como quer, como gosta, na linha do "quero, posso e mando". O outro, desastrado, cai na esparrela e ensaboa-se na mesma lama de onde emerge o primeiro-ministro. Ao menos tivemos ensejo de ver o líder dos comunistas a defender um presidente da república "de direita", o que é tão raro como nevar na minha cidade.
A guerra de alecrim e manjerona devia terminar com um acesso de lucidez das duas personagens. Então lúcidos, combinariam apresentar a demissão. À cautela, o presidente da república só apresentava a demissão horas depois do primeiro-ministro o ter feito. É que este gajo não é de confiar.
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