"Confrontacional"
(Um desnudamento da alma)
Um neologismo, com origem no étimo "confrontação", só para interrogar a necessidade de confrontar, por vezes provocar, reacções nos outros que podem ser reacções hostis. Será pelo desconforto da acomodação típica dos que pensam todos da mesma maneira. Ou uma erupção de mau feitio, o terrível espírito de contradição que não se consegue derrotar.
Não é forma simpática de ser. Grangeia antipatias, por vezes; outras vezes, anticorpos que demora a ultrapassar. Porque a confrontação é recebida como uma áspera manifestação de oposição. Manchada pelo tom agreste das palavras que provocam a reacção adversa, sentida, por vezes ofendida. O que leva a fermentar este desejo irreprimível de encostar às cordas os que são mais ou menos próximos, só para desafiar as suas ideias, ou através das ideias ou das palavras de pessoas com que se identificam indirectamente os desafiar?
Eu gosto de acreditar que a responsável pela desagradável forma de ser é uma tempestade intelectual que não há maneira de me largar. Gosto de acreditar que o desafio dos outros não é desconsideração pessoal. Como poderia honrar as pessoas que assim provoco ou confronto se elas me dizem desde algo a muito? Às vezes digo-lhes, em tom meio confessional, que sou como sou, irrecuperável nesta desagradável maneira de confrontar sobretudo quem me diz algo. Que interessa rebater quem me seja estranho se não há possibilidade de entrar em discussão? Digo-lhes, para apaziguar tensões, que não é por maldade; que adoro uma bela refrega de ideias, a troca fervilhante de palavras reproduzidas em argumentos.
Algumas vezes, o recurso à provocação esfarela a coerência que julgo dominar-me. É quando esmago nos outros palavras que são a negação do que já dissera ou defendera outrora. Ainda bem: a coerência é um garrote que liquida a espontaneidade, adultera a genuinidade do ser, o bom selvagem suprimido por temor às convenções. Esta coerência, sinto-a doentia. Um pesar que se aclimatou só para tornar tudo mais fácil nas dicotomias que desfazem os muitos nós da complexidade em redor. Pergunto-me se a inclinação para a confrontação não reveste a necessidade de expor as pessoais incoerências – que invulgar exibicionismo! Assim seria, contudo, se de todas as ocasiões em que as palavras provocatórias se soltam elas viessem embebidas em flagrantes contradições internas. E nem sempre assim é.
Há critério na selecção dos "alvos"? As munições soltam-se aleatórias, ou são dirigidas com precisão, as letras bem contadas quando se encavalitam nas palavras entoadas através de frases assassinas? Em retrospectiva, não distingo um critério que seja. A confrontação é errática, persegue o que momentaneamente povoa o espírito. Não costumam as provocações ser planeadas. São um típico produto de actos espontâneos. Tenho a impressão que são confrontações terapêuticas. Ao que mais não seja, desmoronam o denso manto racional que asfixia outros olhares, ou outras formas de olhar. Só fica por pedir desculpa aos que se sentiram atingidos. Por serem cobaias de um experimentalismo a que são alheios.
Não estou em acto de contrição. Nem que este desnudamento da alma seja um flanco aberto. A retórica e o retorcimento de argumentos (defeito de formação; da formação que renego) compõem o cenário quando ele escorrega para um lodaçal que me seja desaprazível. Ainda assim, indeclinável o desnudamento da alma. E um flanco aberto. Até à próxima, e porventura totalmente gratuita, confrontação.
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