Sempre terá havido. Publicidade imbecil aos produtos e serviços mais improváveis – e nem sei o que será mais imbecil: se o "inventor" do produto ou serviço publicitado, se quem o publicita. E sempre terá havido fracos de espírito. É a eles que essa publicidade se destina. São os tansos que depressa se deixam seduzir pelas supostas propriedades prodigiosas dos produtos, destas contemporâneas banhas da cobra. Com a Internet, essa publicidade tornou-se um filão. Andamos por sítios aconselháveis na Internet e aparecem, em letras garrafais e cores garridas, anúncios aos produtos e serviços que não passam de embustes.
Um exemplo: um dia destes, fiquei a saber que posso instalar uma geringonça qualquer no telemóvel da namorada para saber, a todo o tempo, por anda. Primeira observação: a publicidade ranhosa anuncia o estrondoso aplicativo para namorados que queiram controlar a vida de namoradas (e vice versa; e vice-versa do vice-versa, para não arrostar a acusação de homofóbico). Ultrapassada a fase em que somos namorados, o serviço deixa de estar disponível? Quando casamos, ou quando passamos a viver em união de facto, já estamos fora do alcance da engenhoca que antes nos tinha sido secretamente colocada no telemóvel? A discriminação devia ser explicada. Como se entende que só quem esteja na febril etapa do namoro desconfie da pessoa amada? Ou seja: os ciúmes – o grande nutriente da desconfiança (ou vice-versa?) – só fazem sentido antes de as duas pessoas juntarem os trapinhos.
Quando os olhos viram o absurdo anúncio, esta foi a interrogação que surgiu: há quem esteja interessado em controlar todos os passos da pessoa que tem como sua/seu namorada/o? Desconheço se esta inventiva inovação é coisa internacional, ou se é uma reminiscência indígena da cultura da "bufaria" que não hesitava em espiolhar a vida alheia. Se é mais uma trave-mestra da nossa idiossincrasia, continuamos a definhar na salazarenta, mesquinha, muito pequenina forma de ser e de estar. Não quero comprar uma guerra de gerações, mas arriscava a adivinhar que os inventores do perverso aplicativo de telecomunicações são gente de tenra idade. Tão tenra idade que nem sequer têm ideia que antes de 1974 vivemos quarenta e oito anos de demorada e obscura ditadura, com falta de respeito pelos direitos individuais e pela privacidade. Que nessa altura era uma palavra vã. E agora parece que volta a ter o significado diluído na demência de quem convive com a intrusão na vida de outra pessoa como se fosse um acto normal.
Haverá quem, no seu bom juízo, tenha insidiosamente instalado o dito aplicativo no telemóvel da pessoa amada? Corrija-se, pois, a frase anterior: é que as palavras "pessoa" e "amada" devem ser entrecortadas pelo vocábulo "supostamente". Quando a desconfiança chega a este ponto, já só uma patologia mental invade os seus fautores. Quem confunde um sentimento com a necessidade de espiar todos os passos de outra pessoa é porque está doente, e muito. O pior dos males é haver quem considere normal ser espião desta maneira, por estes motivos. É todo um programa de comportamento para o futuro. Gente que entrará para a administração pública e que, nas horas vagas, se entretém a vasculhar os dados pessoais de quem apareça nas bases de dados. Isto sim, é retrocesso civilizacional.
Outro exemplo: há uma marosca qualquer que nos permite saber o dia em que vamos morrer. Talvez por ter pavor da morte, nem sequer considero a hipótese de alguém ser assaltado pela curiosidade e meter-se pelos caminhos da charlatanice só para ter uma ideia de quando vai "desta para melhor" (na minha maneira de ver, "desta para pior"). É que só pode ser charlatanice, para começar. E, mesmo que o não fosse, quem no seu juízo está interessado em saber por quanto mais tempo vai continuar entre os vivos?
Se estas bojardas publicitárias têm sucesso, então só me apetece dizer que estamos (quase) todos loucos. De vez.
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