7.12.09

“Islamofobia”?



Há dias, um referendo na Suíça ditou que não haverá mais minaretes. As ondas de choque vieram a seguir. Há vários países europeus onde estão instaladas comunidades islâmicas. O que se segue? Um efeito dominó, uma certa histeria anti-islâmica propagada pelo resultado do referendo na Suíça? Desabone-se a possibilidade, pelo menos se o instrumento para lá chegar for o mesmo que os suíços utilizaram. A Suíça é a campeã da democracia directa, não estando os referendos vulgarizados (para assuntos desta natureza) em mais nenhum país europeu.

Em todo o caso, a discussão está montada. Será sensato proibir este símbolo da religiosidade muçulmana? Honramos a tradição de liberdade quando lançamos este impedimento sobre os muçulmanos? A discussão é exacerbada por sentimentos que escorregam, com facilidade, para o radicalismo. Quer de quem se opõe à discriminação dos muçulmanos, quer dos que aplaudem com entusiasmo a medida aprovada no referendo suíço.

Quanto a estes, não compreendo a hostilidade contra a comunidade islâmica. Na maior parte dos casos, não há conhecimento de suspeitos de actividades terroristas nestas comunidades. Será preconceito puro? Ou receio de que o continuado crescimento da comunidade islâmica seja uma ameaça para a segurança da Europa? É que já escutei alguém insinuar que a silenciosa "invasão verde" (se pudermos tomar o verde como cor simbólica do islamismo) é uma espécie de cruzada árabe para conquistar a Europa. O alarmismo é a melhor manifestação da irracionalidade.

Do lado contrário também há excessos. Pela voz a quem sugere que os muçulmanos são vítimas de perseguições – directas ou através da desconfiança que os ostraciza – como o foram os judeus em meados do século XX. Essas vozes são as mesmas que alimentam especiosas teorias da conspiração em que, invariavelmente, os maus do costume (a "América" e os judeus) cozinham pratos envenenados para o bem comum. Usam um novo vocábulo para despertar consciências: "islamofobia".

Entristece-me ver gente respeitável a embarcar num soez sectarismo contra os muçulmanos. Não faz jus à sua inteligência (aos demais, aos apedeutas que são contra os árabes por puro preconceito, nem vale a pena contrariar). Primeiro, e acima de tudo, porque se consideram tutores das liberdades e, noutros quadrantes (que não o do espúrio confronto das religiões), pregam pela tolerância. Esquecem-se dela quando negam direitos de culto aos muçulmanos que para aqui vieram viver.

Segundo, o argumento mais indigno é o da intolerância dos muçulmanos. Começam por decair para uma generalização que é, como todas as generalizações, perigosa. Tudo piora quando se percebe onde querem chegar com este raciocínio: impõe-se a intolerância com os que são intolerantes connosco. É uma questão de sobrevivência. Para além do catastrofismo que fica por provar (é o mal de antecipar o futuro que ainda não aconteceu), enredam-se nos mesmos males de comportamento que dizem combater. Só se distinguem dos fundamentalistas muçulmanos por não aceitarem a violência estúpida como arma de arremesso. Mas a proibição de minaretes, ou qualquer outra manifestação de gratuita discriminação em razão do credo, não será uma forma de violência?

Daqui a assegurar que sitiámos os muçulmanos no espartilho da "islamofobia" parece-me exagerado. Trata-se de uma modalidade oposta de catastrofismo, outro decaimento numa generalização improvável (no sentido de não se poder provar). Se houvesse "islamofobia", já tínhamos proibido os muçulmanos de cá entrar. Tínhamos destruído mesquitas. Não lhes dávamos emprego. Proibimos os seus filhos de frequentar escolas. Admito intolerância da parte de pessoas que desconfiam dos muçulmanos. Mas pode-se converter essa intolerância em sentimento generalizado?

A complexidade do assunto aumenta quando medimos o pulso à seguinte interpretação de quem rejeita o que foi aprovado no referendo suíço: aconselham que não é sensato hostilizar os muçulmanos por acendermos o rastilho de um barril de pólvora. Essa condenação é, diria, oportunista e ensimesmada. Não parece preocupada com o que devia preocupar – o atentado aos valores que nos orgulhamos de ter, principalmente os valores da liberdade e da tolerância. Aquela condenação só parece preocupada com o nosso bem-estar. Dando a entender que atropelar o direito de culto dos muçulmanos é, em si, secundário.

A liberdade está penhorada pelas religiões.

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