15.12.09

Berlusconi apanha nas trombas e nós aplaudimos?



Isto foi escrito. Encimando as imagens de Berlusconi ensanguentado depois de ter sido covardemente agredido por um tresloucado qualquer. Só estava escrito isto: "o que a democracia não resolve o povo tem de resolver". Poucas palavras. Só um título e, todavia, um título que fala mais alto do que mil palavras. Todo um pensamento ali encerrado, todo um comportamento.

Berlusconi é um equívoco? De acordo. Berlusconi nunca devia ter sido primeiro-ministro? Não me pronuncio; não voto em Itália. Prefiro respeitar as preferências dos eleitores italianos, ou arrisco-me a que os cidadãos de outros países façam análises pouco simpáticas sobre as opções da maioria do eleitorado lusitano. Continuo a acreditar naquela máxima que ensina que em casa alheia é melhor não mexer palha, nem sequer opinar acerca das opções de decoração.

Considero Berlusconi uma besta (como educadamente muitas esquerdas enfatizam). Mesmo sendo de direita – mas de uma direita que não se revê naquela direita pirosa, arcaica, que cultiva uma personalidade daquele calibre, aquela personagem verbalmente incontinente que tenta fintar a andropausa ostentando feitos carnais com voluptuosas mulheres e cândidas adolescentes. É daquelas personagens que envergonham "a direita" (mesmo que "a direita", assim, unidimensional, não exista). A semântica dá uma ajuda aos esquerdistas que andam de cabelos em pé porque a Itália, vá-se lá saber porquê, teima em escolher esta aberração para primeiro-ministro: o seu nome tem fonética semelhante a "burlesco".

Vou regressar às interrogações: se me tivesse calhado em sorte ter nascido italiano, depositava o voto em semelhante aberração? Jamais. Mas, por mais que lhes custe a admitir, ao menos leiam isto: Berlusconi é uma criatura criada pelas esquerdas italianas. Pela sua inesgotável capacidade autofágica. Elas que não chorem lágrimas de crocodilo. Muitos votam Berlusconi porque se assustam com a ineptidão do mosaico das esquerdas; nem sequer para se entenderem servem. Tenho a impressão que em mais nenhum lado como em Itália funciona o voto com os pés. E não é para enxotar Berlusconi, a cavalgadura, do poder.

Sobra a possibilidade do povo italiano ser burro. É uma hipótese em que muitos esquerdistas gostam de assentar as suas prestigiadas análises. Em sonhos, imaginam a repetição de eleições quando a maioria do povo (portanto, a parte ignara dele) não vota "como deve ser", já que mudar o povo é uma tarefa mais difícil. Se não vai através do voto, soube-o ontem ao ler aquela preciosidade de um tal Ricardo Teixeira, vai pelos punhos não rendados do "povo".

Primeira perplexidade: e por acaso aquele senhor, o senhor agressor, representa "o povo"? Esta é outra adorável faceta destas esquerdas que professam toda a sua intolerância (apesar de se verem como as campeãs da democracia – talvez daquela democracia em que o número de partidos admitidos a concurso eleitoral é ímpar e inferior a três…): esgotados os argumentos da lógica eleitoral, ora se inventam pretextos, ora se convoca a sublevação popular através da barbárie. No primeiro caso, inventando teorias conspirativas que insultam a inteligência dos italianos, pois eles são controlados através do império de comunicação social detido por Berlusconi.

O segundo caso traz-me à segunda perplexidade: as portas escancaradas à barbárie, a um crime que o seria se a vítima fosse uma pessoa comum e que, na cabeça iluminada do tal Renato Teixeira, deixa de o ser crime só porque o figurão estava mesmo a pedi-las. O que deixa o Sr. Teixeira sossegado é que vive numa terra e num sistema político que deixa os Srs. Teixeiras deste jaez vomitarem todas alarvidades mentais sem temerem pela segurança física. Que às vezes apetece dar a esta gente a provar do mesmo veneno, ah lá isso apetece.

(E nisto lembrei-me de um aluno já sexagenário, camarada dos sete costados, que lamentando a queda do muro de Berlim e a derrocada do comunismo, perguntava em público se tanto tinha valido a pena "apenas" – a ênfase é minha – pelas liberdades pessoais que foram conquistadas.)

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