"O que a democracia não resolve tem o povo que resolver!", Renato Teixeira, no blogue "Cinco dias"
Isto foi escrito. Encimando as imagens de Berlusconi ensanguentado depois de ter sido covardemente agredido por um tresloucado qualquer. Só estava escrito isto: "o que a democracia não resolve o povo tem de resolver". Poucas palavras. Só um título e, todavia, um título que fala mais alto do que mil palavras. Todo um pensamento ali encerrado, todo um comportamento.
Berlusconi é um equívoco? De acordo. Berlusconi nunca devia ter sido primeiro-ministro? Não me pronuncio; não voto em Itália. Prefiro respeitar as preferências dos eleitores italianos, ou arrisco-me a que os cidadãos de outros países façam análises pouco simpáticas sobre as opções da maioria do eleitorado lusitano. Continuo a acreditar naquela máxima que ensina que em casa alheia é melhor não mexer palha, nem sequer opinar acerca das opções de decoração.
Considero Berlusconi uma besta (como educadamente muitas esquerdas enfatizam). Mesmo sendo de direita – mas de uma direita que não se revê naquela direita pirosa, arcaica, que cultiva uma personalidade daquele calibre, aquela personagem verbalmente incontinente que tenta fintar a andropausa ostentando feitos carnais com voluptuosas mulheres e cândidas adolescentes. É daquelas personagens que envergonham "a direita" (mesmo que "a direita", assim, unidimensional, não exista). A semântica dá uma ajuda aos esquerdistas que andam de cabelos em pé porque a Itália, vá-se lá saber porquê, teima em escolher esta aberração para primeiro-ministro: o seu nome tem fonética semelhante a "burlesco".
Vou regressar às interrogações: se me tivesse calhado em sorte ter nascido italiano, depositava o voto em semelhante aberração? Jamais. Mas, por mais que lhes custe a admitir, ao menos leiam isto: Berlusconi é uma criatura criada pelas esquerdas italianas. Pela sua inesgotável capacidade autofágica. Elas que não chorem lágrimas de crocodilo. Muitos votam Berlusconi porque se assustam com a ineptidão do mosaico das esquerdas; nem sequer para se entenderem servem. Tenho a impressão que em mais nenhum lado como em Itália funciona o voto com os pés. E não é para enxotar Berlusconi, a cavalgadura, do poder.
Sobra a possibilidade do povo italiano ser burro. É uma hipótese em que muitos esquerdistas gostam de assentar as suas prestigiadas análises. Em sonhos, imaginam a repetição de eleições quando a maioria do povo (portanto, a parte ignara dele) não vota "como deve ser", já que mudar o povo é uma tarefa mais difícil. Se não vai através do voto, soube-o ontem ao ler aquela preciosidade de um tal Ricardo Teixeira, vai pelos punhos não rendados do "povo".
Primeira perplexidade: e por acaso aquele senhor, o senhor agressor, representa "o povo"? Esta é outra adorável faceta destas esquerdas que professam toda a sua intolerância (apesar de se verem como as campeãs da democracia – talvez daquela democracia em que o número de partidos admitidos a concurso eleitoral é ímpar e inferior a três…): esgotados os argumentos da lógica eleitoral, ora se inventam pretextos, ora se convoca a sublevação popular através da barbárie. No primeiro caso, inventando teorias conspirativas que insultam a inteligência dos italianos, pois eles são controlados através do império de comunicação social detido por Berlusconi.
O segundo caso traz-me à segunda perplexidade: as portas escancaradas à barbárie, a um crime que o seria se a vítima fosse uma pessoa comum e que, na cabeça iluminada do tal Renato Teixeira, deixa de o ser crime só porque o figurão estava mesmo a pedi-las. O que deixa o Sr. Teixeira sossegado é que vive numa terra e num sistema político que deixa os Srs. Teixeiras deste jaez vomitarem todas alarvidades mentais sem temerem pela segurança física. Que às vezes apetece dar a esta gente a provar do mesmo veneno, ah lá isso apetece.
(E nisto lembrei-me de um aluno já sexagenário, camarada dos sete costados, que lamentando a queda do muro de Berlim e a derrocada do comunismo, perguntava em público se tanto tinha valido a pena "apenas" – a ênfase é minha – pelas liberdades pessoais que foram conquistadas.)
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