9.12.09

Há diferenças entre os meninos guerreiros em África e jovens de doze anos metidos nos tumultos em Atenas?



Há tempos vi um filme sobre diamantes de sangue em África. Mostrava – não sei se romanceando os factos – como crianças nos alvores da adolescência são retiradas às famílias por sanguinários guerrilheiros que controlam a extracção e o tráfico de diamantes. As crianças eram subtraídas às famílias para receberem treino militar. O enredo sugeria que eram expostas a formatação mental sob o efeito de psicotrópicos e alucinogénios. Quando estavam preparadas para o combate, punham-lhes nas mãos metralhadoras que disparavam mecanicamente. Estavam, enfim, educadas para matar.

Os diamantes de sangue são assim chamados, entre outras razões, por causa da indignidade que é liquidar a infância e a adolescência de miúdos que, a certa altura, só sabem conjugar o verbo matar, talvez até morrerem precocemente. São a carne para canhão atirada para suicidárias missões de combate. Se morrerem, ninguém dá pela sua falta. As famílias, que perderam o rasto e já só tinham a desesperança da as encontrar, não são convocadas para os funerais. O ocidente, tão zeloso da sua superioridade civilizacional, condena os diamantes de sangue e indispõe-se (acertadamente) contra a privação da adolescência destes guerreiros à força.

De ontem: imagens de tumultos em Atenas. Os jovens (e menos jovens) anarquistas decidiram espalhar o caos por ocasião do aniversário dos motins do ano passado. Podemos celebrar tudo e mais alguma coisa. Se a malta quer festejar os desacatos do ano passado com mais desordem, faça-se-lhes a vontade. Desde que estejam a par do risco de apanharem umas bordoadas da polícia, desde que estejam cientes que podem dar com os ossos numa esquadra e enfrentar o mau humor de uns agentes policiais, seja-lhes garantido o direito ao tumulto. Quando vejo desordem gratuita – o caos pelo caos –, com desprezo pela segurança dos outros e pela propriedade alheia, é o único caso em que tolero violência policial. Digo-o a contragosto, anarquista dos sete costados, mas de linhagem diferente.

Estava embevecido com o código de conduta ateniense que impede a polícia de entrar nas instalações de universidades para perseguir os anarquistas desordeiros. Só com autorização dos reitores podem os polícias pisar terreno que assim é sagrado para quem espalha a confusão. As universidades como se fossem embaixadas em cujo território existe imunidade e a polícia não pode entrar – uma espécie de ilha dentro do Estado de direito. Soube então que agora os anarquistas têm poderosos aliados: "jovens de doze e treze anos", parafraseando quem enviava informações desde Atenas.

Deve-se tratar de jovenzinhos que só são intelectualmente imberbes no bilhete de identidade. De resto, devem estar na posse de uma extemporânea (por antecipação) doutrinação política. Leram os livros todos de Proudhon, Bakunin e Kropotkin. Enfim doutrinados, andam nas ruas à pedrada aos polícias, a estilhaçar montras de lojas, a infernizar quem quer sossego, a vandalizar automóveis, quem sabe se de gente que até tem simpatia pela sua causa. São os muito jovens guerreiros que engrossam a maré anarquista. Não andam de armas na mão, nem devem passar pelos horrores da doutrinação pela violência como sucede com os meninos guerrilheiros em África. Tirando estas diferenças, onde está a diferença entre os meninos guerrilheiros em África e os meninos desordeiros em Atenas? E o mesmo ocidente que condena os diamantes de sangue e se indispõe contra a privação da adolescência destes guerreiros à força, deita-se num revelador silêncio ao ver como jovenzinhos atenienses de tão tenra idade já são guerrilheiros urbanos. Dois pesos, duas medidas.

Diante deste anarquismo violento, um anarquista de outra linhagem sugere aos anarquistas de Atenas – e aos admiravelmente doutrinados "jovens de doze e treze anos" – que leiam Leon Tolstoi, um anarquista que ensina que o anarquismo não é violência.

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