4.2.10

Alguém falou em striptease?


Vale a pena começar pela notícia: "O Partido Socialista quer publicar os rendimentos brutos de todos os contribuintes na Internet. O objectivo é combater a fraude fiscal, numa medida que vai colocar online o rendimento bruto anual declarado (sem imposto, nem despesas reembolsáveis – educação, saúde, etc.) (...)." Se isto não andasse como anda (pelas ruas da amargura), ficávamos boquiabertos com a assombrosa ideia. Assim sendo, a medida não se estranha: entranha-se.

Se os rendimentos declarados forem parar a uma página da Internet onde todos podemos vasculhar o produto auferido com o pessoal suor empregue no trabalho, seremos todos bisbilhoteiros uns dos outros. Sê-lo-emos, potencialmente. Se as coisas não andassem todas trocadas, os equinócios torcidos e os azimutes desorientados, dir-se-ia que a indecência tomou conta de tudo. Pelo andar da carruagem, só nos interrogamos o que mais virá a seguir. Essa agremiação maquiavélica que dá pelo nome de PS (se me é permitido) argumenta que isto vai ser feito para combater a corrupção.

Ora, como discordar do partido emblemático do regime dá direito a sentença desagradável sobre a sanidade mental, devo estar às portas do manicómio por escrever o seguinte: maldita terra esta em que do primeiro ao último contribuinte somos todos potenciais suspeitos de corrupção. Já sei que os apaniguados do querido líder, do carismático líder com um leve travo autoritário, dirão que "quem não deve não teme". O que eu receio não são as dores de consciência (que não tenho) por andar metido em negociatas ferrugentas com pagamentos debaixo da mesa (em que não ando). O que me incomoda é saber que, um belo dia, um cidadão qualquer, conhecido ou não, entra naquela página da Internet para satisfazer os seus inconfessáveis desejos de voyeur. Tal como não me interessa saber quanto ganha o cidadão do lado, não quero – não quero mesmo – que o cidadão do lado tome conhecimento dos meus ganhos. Será que a chusma socialista (posso?) sabe o significado da palavra "privacidade"?

Tenho a impressão que os planificadores socialistas se inspiraram nos scanners de aeroporto que vão começar a expor as vergonhas corporais (ou não, depende) dos passageiros que cometem a imprudência de viajar de avião. Aqui está a analogia: tal como esses scanners nos despem para deleite (ou não) de antipáticos polícias de fronteira, a invenção dos socialistas também desnuda quanto ganhamos com o trabalho de um ano. Outra vez arriscando o desdouro do ensandecimento: isto tem o perfume da obscenidade. O que me causa espécie é que, entre amigos, guardamos recato em relação ao que cada um de nós aufere. Se esta ideia passar no parlamento, vou ser impotente para impedir que qualquer zé-ninguém saiba os euros que entraram na minha conta bancária durante um ano. E fico assustado.

A seita socialista (posso, outra vez?) revela, ao mesmo tempo, tiques imberbes que só são surpresa para quem andar desatento (ou for crente). Esta ideia dos rendimentos ficarem a nu na Internet, com a correspondente sugestão de que haverá exércitos de coscuvilheiros a vasculhar nos proventos alheios, faz-me lembrar a típica infantilidade masculina quando os varões nus se põem, no balneário, a comparar o tamanho dos falos. Quem gostaria que os outros soubessem o tamanho do seu falo? E o que virá a seguir? Declarar a cor da roupa interior?

O ano não começou há muito. Apesar de não gostar de formular votos que coincidem com o ano nascente, gostava de abrir uma excepção. Para que os políticos desta pequena praça se mentalizassem que os fins não justificam todos os meios. Acentuo, entoando-o com lentidão: os fins não justificam os meios. E abro uma excepção para formular este outro voto: quanto mais risíveis e, ao memo tempo, perigosas as obras de engenharia social que saem das brilhantes cabeças dos planificadores socialistas, maior a vontade de ir ganhar a vida para outro lado. Onde possa manter a privacidade dos meus proventos. Onde ninguém entre em detalhes que só à minha privacidade pertencem. 

ADENDA: a malta socialista recuou nas intenções e retirou a proposta. Desculpem-me se estou sempre de pé atrás em relação a esta malta (eles põem-se a jeito), mas desconfio da manigância. Se todos estivessem distraídos, apostam como a ideia ia para a frente?

1 comentário:

Anónimo disse...

Olá, antes de mais nada, parabéns pelo blog!
E por acha-lo de muito bom gosto é que o/a convido a vir conhecer a proposta do meu Blog para você.

Aguado sua visita!

Forte abraço!

Karina