Há lugares que contagiam as pessoas. E há contágios que as transformam, sobrando apenas um vulto do que foram. O Jesualdo era um carneiro manso antes de aterrar na poltrona da agremiação local – o, carinhosamente tratado pelas hostes, "folculpuôrto".
(Fazendo tanto sucesso um livro que disseca o vocabulário muito típico das gentes portuenses, quase levando a acreditar que por aqui existe um dialecto, eis uma sugestão aos curadores da língua – sobretudo aos que se arvoram à condição de curadores do regionalismo da língua que por aqui se fala: "folculpuôrto" devia ter direito a entrada no dicionário do idioma regionalizado. Uma curiosa aglutinação de palavras numa só, que entraria, como neologismo, para aquele dicionário. A maneira apressada de falar leva os locais a comerem sílabas. Omitem a sílaba do meio e metade da primeira sílaba do termo "futebol"; trocam o "l" e o "u" em "clube", negando a existência da última sílaba; e agridem o nome da cidade que veneram, subvertendo-lhe o nome por causa do carregado sotaque. Suponho que a febre regionalista e a cegueira que alguns fundamentalistas do norte (os "nortistas") exibem devia chegar para a dupla toponímia nas ruas e avenidas de toda a região. Nas placas que orientam os destinos, obrigatória inscrição no idioma de lei e no pastiche avinagrado que por aqui se fala. Não seria novidade. Pela Europa fora é habitual a dupla toponímia. Para comprazimento dos profetas da emancipação regional, quem fosse para o aeroporto veria inscrito na linha de baixo da placa indicativa a tradução no dialecto local: "aeropuôrto". Assim mesmo, parecido com o castelhano.)
O Jesualdo é um transmontano que se fez alfacinha de gema. Montou quartel no Porto mas resguardou-se do típico sotaque do burgo. Para desgosto dos apaniguados do "folculpuôrto", que, puristas e fanáticos, cegados pelo ódio à Lisboa pedante e centralista ("Lisboa a arder, Lisboa a arder" – bramem, primatas), exigem que os seus falem como eles. Nisto o Jesualdo não foi contagiado. De resto, deixou-se tomar por umas perenes trombas, uma má disposição que já é imagem de marca. E a mania da perseguição, ah! a mania da perseguição: os adversários, emproados ao estatuto de inimigo que tem que ser abatido custe o que custar – custe o que custar – têm inveja do "folculpuôrto". O Jesualdo foi enxertado com a vacina habitual por aquelas bandas. Há lugares em que as pessoas tomam a vacina contra a raiva; por ali injecta-se-lhes a vacina da raiva.
Aprimorou-se, o Jesualdo, no facciosismo de claque. Não há jogo que não mereça ganhar, mesmo quando perde sem espinhas. Para o Jesualdo, os campeonatos e as taças em que a sua equipa entra deviam estar resolvidos à partida. O interesse era saber quem lutava pelo segundo lugar, quem ia à final das taças só para ter o prazer de ver a espinha vergada pela altiva superioridade do "folculpuôrto". Quando não se sabe ganhar, é compreensível que menos ainda se saiba perder.
Ando preocupado com o Jesualdo. Ele deixou de rir. O ar macambúzio é o de quem tem graves problemas digestivos, uma azia que o acompanha a todas as horas do dia. É que nem quando ganha, ou quando os disciplinados discípulos festejam um golo, o Jesualdo esboça um sorriso para amostra. Interrogo-me se não terá sido o arrivismo social da consorte (a Zulmira), que quis aparecer em revistas cor-de-rosa acompanhada do Jesualdo, a fermentar aquela amargura, ele tão imerso num doentio fel.
Eu até entendo o Jesualdo. As más companhias deixam marcas. Apareceu contrariado em revistas cor-de-rosa. Que homem, por mais paciente que fosse, não destilava o permanente ar de quem sente que o mundo inteiro contra si conspirou? As feridas que demoram a sarar, as feridas que se dissolveram em nódulos purulentos, maceraram em permanentes cicatrizes. A cicatriz do Jesualdo é ser zarolho. Quando se mete a fazer julgamentos sobre os jogos em que o seu (por enquanto) "folculpuôrto" participa. É a qualidade inata dos juízes que trocam os pés no alçapão da parcialidade.
1 comentário:
só uma recomendação e um reparo.
a recomendação é a seguinte: é conveniente informar os leitores do seu blogue sobre a proveniência das imagens que incorpora nos 'posts'. é que elas estão protegidas pelo chamado (e legalizado) "Direitos de Autor".
o reparo é o seguinte: as gentes do Norte são os "nortenhos" - e não «nortistas» (?), como ataca no seu 'post'.
ps: o Desportivismo deveria imperar neste espaço de opinião pública...
saudações PENTACAMPEÃS!
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