4.5.10

Ciência no estirador


In http://sexonacidade.files.wordpress.com/2008/06/decote1.jpg
Um sacerdote iraniano descobriu uma relação causal entre terramotos e decotes femininos ultrajantes. Evo Morales, esse notável homem da ciência, arranjou uma explicação para a homossexualidade: ingestão de aves em excesso. O senador Soares já tinha advertido que a fúria do vulcão islandês com nome impronunciável é culpa do maldito, selvagem capitalismo. Um ministro brasileiro anunciara que “fazer sexo” (que raio de expressão!) cinco vezes por dia previne a hipertensão e outras doenças cardíacas. Eis ciência em estado puro.
Vou pegar pelas pontas dos exemplos. Como se compatibiliza a ciência do aiatola iraniano e do ministro brasileiro? Estes ícones da “nova ciência” andaram em universidades diferentes, cultivam estilos científicos que estão nos antípodas. O cura do Irão, aflito pelas lúbricas mulheres que saem à rua em indecentes decotes a insinuar os seus apetitosos seios, essas malvadas mulheres que fazem despertar nos homens tentações que os desviam da pureza. Em contramão, o ministro brasileiro apela às massas que se entreguem aos prazeres carnais cinco vezes por dia (mais tarde a sumidade corrigiu a prestação: quisera dizer cinco vezes por semana). Onde está o zénite da ciência: na lascívia desregrada, ou na castidade que resgata a espiritualidade do ser humano?
Pelo meio da ciência desavinda entre o iraniano e o brasileiro meteu-se a notícia sobre uma biografia de Gandhi. O guru pacifista casara-se aos treze anos mas fizera voto de castidade até aos trinta. E, relata o livro, o homem entregara-se a “experiências sexuais vanguardistas”. Significado: para domar a mente, Gandhi deitava-se nu ao lado de mulheres também elas nuas, desafiando-se a si mesmo. E conseguia manter a compostura. A fazer fé nas descobertas científicas do século XXI com a assinatura do ministro brasileiro, Gandhi deve ter morrido de maleita cardíaca. Mas logo contrapunha o aiatola do Irão: se todos os homens fossem como Gandhi, não havia sismos catastróficos.
Só que nesse caso – e agora desvio a agulha para o inestimável contributo para o avanço do conhecimento dado pelo catedrático Morales – Gadhi só comia carne de aves. Ao cruzar esta imaginativa informação, alguém virá publicar uma biografia não autorizada de Gandhi dando conta que o homem tinha uma faceta homossexual desconhecida (e não era vegetariano – outro mito desfeito em nada). O investigador deitaria mão à ciência produzida pelo presidente da Bolívia para chegar às bombásticas conclusões.
Venho um pouco atrás, à relação de causa e efeito entre desavergonhados decotes femininos e propensão para abalos telúricos com efeitos devastadores. Os cientistas têm que deitar fora décadas e décadas de conhecimento que se julgava sedimentado. Quem disse que os lugares mais expostos a terramotos são os que se encontram próximos de fracturas da crosta terrestre? Refaça-se a ciência: são os sítios onde as mulheres se passeiam na rua em pose provocatória. É aí que os homens, tomados pelo desejo que são forçados a reprimir na via pública (senão é crime), sentem as hormonas em ebulição constante. Um frémito imparável, um apetite pela lascívia que se contagia pelo corpo abaixo, transmitindo a energia indomável ao chão, e do solo desce até aos níveis mais profundos onde se congeminam os sismos. Esta energia acumulada liberta-se em forma de explosivo terramoto de tempos a tempos. A “nova ciência” serve esta ilação: naqueles sítios sem risco sísmico, ou as mulheres são todas decentes e os seios andam escondidos dos indiscretos olhares masculinos, ou os varonis comem frangos e afins em excesso. E o Brasil deve ser um viveiro de actividade sísmica.
Fico-me pela trilogia de “nova ciência” fanática e fantasiosa. Deixo de fora o contributo do senador Soares. Também merecia figurar nestes episódios que germinam a “nova ciência” funambular. Não incluo a descoberta do senador Soares porque uma trilogia é feita de três contributos – e ele seria o quarto. O senador tem que ficar à porta nesta orgia de fervilhante conhecimento que se alicerça em respeitáveis provas científicas. Mas também não vem daí mal ao mundo: se o senador Soares garante, é prova científica bastante.

1 comentário:

Milu disse...

Tudo isto porque as pessoas, ao verem acontecer os cataclismos da natureza, tomam, cada vez mais, a evidência do quanto somos pequeninos. Nada podemos, por enquanto, contra a fúria da natureza, por isso, para mitigar a angústia, vá de procurar causas, ainda que estas revelem a mais profunda estupidez.