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Como é belo parecer erudito. Esmagar a audiência com provas de literato. Fazer muitas, e a propósito ou mesmo a despropósito (que interessa?), citações dos consagrados. Ornamentas um pensamento com as doutas palavras que pertencem aos outros. E, portanto, diminuis as tuas. As pessoas ficam boquiabertas com tamanha erudição, com as pinceladas de sapiência que chegam debruadas nas palavras dos cultos.
Há quem diga que a arte só está ao alcance dos que vivem embebidos em toneladas de cultura. O avassalador conhecimento dos escritores que fica sempre bem citar é credencial das muitas pestanas gastas entre as páginas amarelecidas dos clássicos. Notas a admiração da audiência. Sabes que a audiência, à saída, comenta a exibição de erudição. As palavras que pedes emprestadas aos sábios cimentam a tua autoridade. Mas não será uma autoridade pedida de empréstimo, essa que pavoneias?
O que as pessoas deviam saber é que é tão fácil sermos bem parecidos na erudição! Sabes, na secretária lá de casa tenho um poemário que é de onde verto versos do grande Mário de Cesariny. (O do ano passado era dos vários heterónimos do Fernando Pessoa.) E – sabes? – lá nos armários também se empilham livros. Alguns com sublinhados que são tão úteis para esmagar os outros com o nosso conhecimento tão vasto. Ou, já agora, deves saber que essa maravilhosa invenção chamada Internet põe à nossa disposição citadores.
Eu sei que às vezes é irreprimível a exibição de erudição. É como os gatos que marcam território através de uns esguichos de urina contra um muro aqui, uma ramada ali. A delimitação do território tanto serve para medir o pulso ao interlocutor como para o domar através do ror de leitura armazenada em memória prodigiosa. Se o interlocutor entra na esgrima de citações, as tuas entradas de leão podem ter saídas de sendeiro. À cautela, entras de mansinho na ostentação erudita. Não vá a audiência derrotar-te aos pontos – e o pior que pode acontecer é estares diante de alguém ainda mais culto. É a sensação de quem bebe do veneno que tentou dar a provar. Por mais que tentes, não consegues coçar os olhos com os cotovelos.
Às vezes, sei-o, aprisiona-se a humildade numa vara de três paus. Queres palco, reconhecimento, uma audiência rendida. Entesa-te o intelecto. Ele há coisa mais apetecível que o charme intelectual? Só que das vezes muitas em que escorregas para as douradas pílulas de erudição em forma de citação alheia, não tens noção do exagero. Soa a arrogância intelectual. Eu cá desconfio quando me falam muito através das palavras que foram ditas pelos outros. Acho um refúgio, não a maioridade do conhecimento.
Por estas alturas farias o teu juízo lapidar: que destoo por desqualificação letrada. Se isso te apraz, conserva o troféu. Não ando aqui em frívolas competições de Trivial Pursuit, ou naqueles simplórios testes que nos vendem a banha da cobra do QI. Se te contenta, até digo que fico estarrecido com o classicismo que alardeias. Devem ter sido dias a fio de leitura empinada, ou apenas uma leitura a propósito feita na véspera só para dar a impressão que a tua bagagem cultural é do tamanho de um petroleiro. Tenho para mim que o rasgo se consegue com as palavras que ungimos com os nossos pessoais dedos, aquelas que ficam registadas na aura do conhecimento original.
O aluvião erudita que em ti desabrocha tem pouca serventia. É conhecimento que se desfaz ao estalar o verniz em que se encasula. Poderás saber muito das palavras que os outros afamaram. Poderás saber onde encontrá-las (se nos citadores da Internet ou nos livros cuidadosamente sublinhados, não interessa). Por cima dessa fasquia, sobra pouco. Uma espuma inconsequente.
(Em Vilamoura)
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