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Às horas incandescentes, responde o corpo com um estremecimento silencioso. Uma vaga que cresce das entranhas e se insinua em passos lentos, quase imperceptíveis. Às duas por três, é uma torrente de lava indomável, um corpo desatinado, encadeado pela tórrida, enrubescida luz que filtra as emoções.
O corpo treme, todo másculo, desmonta-se na sua fragilidade composta. No frémito do instante, ninguém diria tratar-se de um corpo frágil; diriam, diante da atlética exibição de vitalidade, que era um mastodôntico ser. Como se ali houvesse um vulcão reprimido, o vulcão sedento de jorrar a lava comprimida que há tanto tempo se prometia oxigenar. A lividez da pele esconde a matéria incandescente que leveda pelas veias. Palpitam, as veias, fervidas pelo hastear da exaltação corporal. As emoções já não decantadas, nem razão nenhuma a aflorar. Os instintos, domadores do palco.
Do lado de fora, os amantes da pacatez aprestam-se a censurar a selvajaria que se monta em dois actos. Os instintos são a fornalha onde se consomem em lume brando os derradeiros vestígios da racionalidade. Ó sensação maldita! Espreitam os outros corpos enredados na coreografia dos sentidos inanimados, todos os passos caóticos imersos numa paradoxal harmonia, a pele suada que se roça noutra pele suada em faísca que é detonador da combustão carnal. Os apoderados pelo medo, afivelados pelo torniquete da racionalidade, tomam-se de nojo pela catilinária dos corpos. Ficam perplexos: como há quem se não entedie com a dança eterna dos corpos?
É uma cultura jónica, atlética, a sublime exaltação das capacidades físicas. Mas não é tanta superfluidade quanto se suponha: há um lugar reservado à mesa para os enredos da mente. Não é tudo maquinal como os gestos, desordenados ou não, que se ensaiam na coreografia carnal. Sobrepõe-se uma dialéctica sagaz. A mente em constante desafio das capacidades do corpo. Desafia-o a alçar mais alto a fasquia dos seus limites. É como se houvesse um corpo dentro do corpo, um em constante provocação das capacidades do outro, o primeiro a semear a mutação do segundo.
E ele agiganta-se, supera-se, mais um centímetro a fasquia empurrada para cima. Um dia, a erupção corporal já não dobra o limite da véspera. Por fim, o limite alcançado, por tentativa e erro. Depois já só sobra o ocaso, um prometido ocaso. É como um rio caudaloso que engrossa com o pródigo manancial das chuvas. Trepa às margens e coloniza os prados em redor, o rio poderoso feito largo espelho de água. Acalma-se umas semanas até as demoradas chuvas invernais recuarem no seu intento e os lençóis freáticos enxugarem. O rio regressa ao leito, devolve os terrenos que não foram criados para seu regaço. As águas amansam e liquefaz-se a torrente caudalosa que amedrontava, tamanha a energia em consumição das pedras e galhos dobrados.
O corpo, outrora uma imensidão de perder de vista, viveiro de façanhas que ora desaguavam em aplauso, ora em inveja, arqueia-se na sua curva descendente. Oxalá as células fossem até ao infinito, uma constante linha crescente que habilitasse o sucessivo desafiar das capacidades. Não é sua natureza. O corpo gasta-se, envelhece, dissolvem-se as suas capacidades. Dizem que o último grito da moda é a medicina regenerativa. Dizem que podemos adiar o envelhecimento do corpo, retardar a maldita curva descendente que augura um poente de perplexidade. Nem essa medicina fará milagres. Ela não será capaz de prolongar a embriaguez carnal onde sobressaem os corpos que se levitam ao limite, mais ao limite, até ao limite que se julgara impensável.
Entre o pior dos males, que se retenha o que não ilude a própria espessura do corpo. O truque que conta não é a medicina regenerativa. É a compreensão da lassidão do corpo quando, enfim, a curva descendente espreitar no horizonte.
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