Serão as sobras do papa, ou apenas a irremediável tacanhez das cabeças mais atreitas ao conservadorismo de costumes. O escândalo numa sossegada freguesia de Mirandela: uma professorinha toda jeitosa despiu-se quase toda para uma revista que costuma mostrar curvilíneas meninas todas desnudadas. A provar o que se diz daquela terra transmontana (que é a “terra quente”), o amalucado acto da senhora professora foi descoberto às duas por três. E não é que a edição da revista também foi parar a Torre de D. Chama?
A terriola ficou em estado de sítio. As mães (lembram-se das mães de Bragança? Devem ser primas destas) todas num desassossego como se um cataclismo se tivesse abatido naquelas terras. E as tias e as primas e as possíveis moças casadoiras dos matulões que lamberam os beiços só de saberem que podiam ver a professorinha em trajes menores. O assunto chegou à câmara municipal de Mirandela – o patrão da professora. Nem pestanejaram, os autarcas responsáveis. Suspensão imediata para a doidivanas da professora, e que espere sentada pela renovação do contrato. Que vá ensinar as “actividades extracurriculares” (ó ironia do destino, era o que a jeitosa ensinava...) para outras paragens.
A confirmação que faltava: terão sido dissolvidas as fronteiras entre a vida privada e a vida pública. A professora cometeu o pecado fatal de despir as roupas e ainda recebeu dinheiro por cima. Ó infâmia, só de pensar que os alunos nunca mais conseguiriam ver a professora como a viam antes de terem sabido que ela era dada às artes do striptease em revistas eróticas. Numa terra de imperativos categóricos, todos sabemos no que isto ia dar. Alunos desconcentrados, imersos em fantasias lúbricas com a docente; as alunas a roerem as unhas de inveja, sabedoras que os moços desviavam a atenção das lides namoradeiras para os dotes lascivos da professora. E muitas famílias inquietas pela promiscuidade latente. Mulher que se despe para todos não é mulher confiável. Como pode uma rameira ser professora dos meninos e das meninas?
Quase ao mesmo tempo – talvez ainda com inspiração papal – o patusco personagem que se auto-intitula “pretendente ao trono” vociferou contra a educação sexual nas escolas. Teve este desabafo pouco condizente com os pergaminhos: “é como dizer aos alunos: forniquem à vontade”. Ele há gente que tem o condão de me levar ao lado contrário do que defendo. Já aqui escrevi que era contra a ideia obtusa de ensinar sexualidade nas escolas. Não pelos preconceitos de “sua alteza” putativa, mas por desconfiar da sageza dos ensinadores da função. Ao escutar a calinada do “pretendente ao trono”, esqueci-me que era contra a educação sexual nas escolas.
Farto-me de rir com esta gente que vive embaraçada com o sexo. Que aborrecimento a natureza humana, as hormonas ali todas aos saltos num frémito só, o desejo de copularem uns com os outros a desatar a cólera dos moralistas. Eu, que ateimo na radical faceta liberal e que não vejo que dos filmes pornográficos venha mal ao mundo, pergunto aos moralistas de vão de escada se preferem que as criancinhas saibam da poda através de tal género cinematográfico. E pergunto isto porque tenho a impressão que estes beatos sem sotaina, pudessem eles ter a vareta das proibições na mão, proibiam filmes pornográficos. Tudo isto vem com uma advertência: esta interrogação não me transforma num adepto da educação sexual nas escolas.
E depois há a questão da linguagem, da indecência da linguagem. Um “pretendente ao trono” não pode beliscar os impecáveis pergaminhos. “Fornicar” é palavra feia, o sinónimo civilizado do vernáculo de taberna que também começa pela mesma letra do alfabeto. A última vez que alguém me pronunciou essa palavra medonha foi um pastor Jeová que tocara à campainha prometendo a minha redenção se não me desencaminhasse pelos antros da “fornicação”. Prefiro a perdição dos demónios que me estão prometidos. E um lamento: no meu tempo, não havia professoras ousadas...
Sem comentários:
Enviar um comentário