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(Ensaio de um – candidato a – infiltrado na extrema-esquerda)
Ah, a gente terrível que usa colarinhos brancos. Aqueles que se metem na criminalidade económica, que nadam em negócios de abastança, se fazem transportar em reluzentes limusinas, comem opíparos manjares em restaurantes com preços proibitivos, ostentam hábitos superfluamente milionários. Devia haver uma sublevação geral, todos os colarinhos brancos metidos à força no estandarte onde seriam julgados por um povo sedento de justiça social. E antes que fossem decapitados, forçava-se os colarinhos brancos a assinar a deposição dos seus inumeráveis bens materiais, assim sufragados em nome do povo – que nenhuma riqueza deve pertencer senão ao povo que é o titular dos valores da justiça e da equanimidade.
Ah, os colarinhos brancos depois decapitados em público, para gáudio de todas as vingançazinhas pessoais, para enfim levedarem ódios e invejas levitadas em silêncio durante o longo consulado dos colarinhos brancos. O que estamos a precisar é de novos bolcheviques espalhados pelas quatro partidas do mundo à cata dos colarinhos brancos que teimarem na sórdida sofreguidão da fortuna. Os bolcheviques seriam instruídos pelas elites, senhoras de um pensamento correcto, as únicas guardiãs de uma moralidade e de uma ética acima de qualquer suspeita. Depois os bolcheviques iriam em demanda de novos seguidores, como se fossem os novos palradores de uma palavra indeclinável.
Ensinariam – dir-se-ia, doutrinariam: que os colarinhos brancos são nefandos egoístas. Só lhes interessa a ganância do lucro fácil. Especulam – esse o crime maior, com direito a imediato cadafalso e não demorada execução por guilhotinamento, com imediata nacionalização dos seus haveres. Os colarinhos brancos são poucos mas açambarcam uma força desproporcionada. São um atentado contra a democracia, próceres que oprimem um povo empenhado nas malhas miseráveis da pobreza. Não é por acaso que se vulgarizou a expressão “crimes de colarinho branco”, a inexpugnável criminalidade económica que raras vezes consegue apanhar na rede os peixes muito graúdos que são os colarinhos brancos. Que paradoxo! Se é peixe graúdo, como não é capturado na rede com emalhamento fino?
Entra em cena a corrupção. O rompimento da rede é feito pelos próprios pescadores que deviam trazer à justiça os colarinhos brancos. O rompimento comprado pela abastança dos colarinhos brancos, com a conivência da imperdoável ambição e da ganância latente dos aspirantes a muito-mini-colarinhos brancos. Por onde passam, os colarinhos brancos disfarçam o nauseabundo cheiro com perfumes fabricados em laboratório, tão caros que davam para alimentar uma faminta família inteira. Os colarinhos brancos dissimulam na alvura dos colarinhos o sarro moral que mil dispendiosos tratamentos termais não conseguem obnubilar. São um fracasso de gente que se esconde na penumbra da abastança material.
Hoje que é crise há tanto tempo, hoje que todos tememos pela dignidade de quem vegeta nos limiares da pobreza, estes colarinhos brancos deviam ser depostos do pedestal. À força – que fosse. Pois não querem redistribuir um quinhão, por mísero que seja, da fortuna. Como eles fogem aos impostos, como eles fogem com os camiões de dinheiro para contas bancárias que pornograficamente se chamam “paraísos fiscais”. Paraísos; só se for à custa do inferno onde erram os desprotegidos, os que são recalcados pela obscena riqueza nas mãos de muito poucos colarinhos brancos.
A revolução nunca adormece. Nela crescem os juncos que hão-de flagelar os colarinhos brancos até só se notar o vermelho do sangue em que se esvaem.
(Fim do ensaio)
Eu hoje vou de colarinho branco mas não sou colarinho branco. Temo que haja, um dia destes, um purga que leve os colarinhos brancos a reluzirem-se noutro lugar. Nessa altura, talvez se chore o arrependimento de não haver alguns colarinhos brancos a distribuírem umas migalhas que sejam. Por nem sequer migalhas sobrarem para o bodo aos (todos, então) pobres.
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