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Criaturas fadadas para parir. As benfeitoras da espécie. À função parideira resume-se um projecto de vida. Quando duas se cruzam o assunto está garantido: a descendência, só a descendência. Feitios e manias, feitos e glórias que sempre, sempre, sublinham génios em potência. Roupagens a preceito e as lojas, ora da moda, ora as que enchem as montras com pechinchas (que estamos em crise e até a prole tem que ser remediada).
Às vezes esbarro em galinhas poedeiras. É imenso o deleite com sua a generosidade humanitária, com a excitação do intercâmbio das experiências maternais. Quase misantropo, aprendo muito com as galinhas poedeiras que se atravessam à minha frente duas vezes por semana. Não embandeirassem na árdua tarefa da procriação em série e as maleitas demográficas teriam outra gravidade. Mas a leviandade que perpassa nas conversas não deixa muito espaço para grandes considerações ontológicas por dentro daquelas cabeças. Pressinto egoísmo macerado nas pessoais garrafinhas onde tilintam os ponteiros do febril relógio biológico.
As galinhas poedeiras nasceram para a função. Há quem se entregue à castidade do sacerdócio. Outras aprestam-se aos prolegómenos da procriação como meio para um fim, a satisfação do relógio biológico alojado na parte conveniente do cérebro. A sua conversação percorre sempre a poedeira função e as exigentes responsabilidades de ser mãe. Ou tenho azar na convivência, ou não as imagino com outro assunto a alinhavar a alcoviteirice. Se calhar tiro (estas) conclusões precipitadas: aquelas mulheres têm na maternidade o seu pessoal sacerdócio; tudo sucumbe diante das exigências da maternidade, como se mais nada interessasse. Do que oiço, tornaram-se desinteressantes.
Há ideias trocadas entre elas que arrepiam. A descendência vem antes de tudo. Até delas. A sua existência passa a ter sentido em função dos rebentos que brotam com a sua maternal condescendência. Satelizam-se: elas, as luas que gravitam em torno dos centrípetos descendentes. É como se desapossassem da sua individualidade e tudo, mas tudo, girasse à volta das crianças. Podem lá tão frágeis criaturas ser empenhadas aos sortilégios? Às galinhas poedeiras cabe abraçar a prole debaixo da asa protectora, repelir as numerosas ameaças do habitat selvagem. Garantem, as galinhas poedeiras, que os diabos lá fora não tiram o sono justo quando as crias se resguardam no largo regaço maternal.
As duas galinhas poedeiras à minha frente, o arquétipo da mãe galinha. Um suspiro decantado, uma indisposição de humor, um resmungo sem razão – tudo as leva à apoplexia, o coração a cento e oitenta batimentos. De tanto asfixiarem o crescimento das crianças, educam-nas na pior das impreparações para o absurdo, feroz mundo lá fora. E eu pergunto-me: o que será destas aves poedeiras quando os rebentos almejarem a alforria? Aprenderam a calibrar as coordenadas da existência? A bebedeira biológica não as traz ao limiar da crise existencial? Nessa altura, as células já envelhecidas não autorizam a repetição poedeira.
Pelo caminho, ensimesmaram-se tanto na descendência que esqueceram o resto, todo um imenso mundo em redor. A faca cortante de um contra-senso: por acharem que se realizavam na função maternal, despiram-se da individualidade. Tornaram-se pálidas figuras do que foram outrora, carcomidas pelo relento das noites em desassossego, pelas enxaquecas extemporâneas ao mínimo ai do menino e da menina, sobressaltadas pelas dores de crescimento da prole – como se a prole não tivesse que crescer e dores para suportar.
Uma vez, houve uma que disse isto: “temos que os aproveitar agora, que quando forem crescidos deixam de ser nossos”. Devo andar enganado pelas almofadas da paternidade. “Aproveitar agora”? Como se tira partido de uma guloseima? E “deixam de ser nossos” quando se meterem a caminho da alforria? Eis o mal maior da espécie: quando afectos e posse se confundem num só. As galinhas poedeiras, imersas num lamento daqueles, bebem a cicuta de um tremendo equívoco. O da lente que ensina a maternidade (aos seus olhos).
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