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O Sidónio pulava de manigância em manigância, sempre com o maior esforço em não ter esforço algum. Era um malandro, um astuto servidor da preguiça. Estava perto dos trinta anos e nunca se lhe conheceu actividade profissional. Uns biscates aqui, outros ali, às vezes segurança em discotecas (tinha que fazer render o físico avantajado que agradecia a deus nas preces diárias). Uma vez foi guarda-costas de um magnata russo que andou pela cidade a instalar uns negócios duvidosos.
As manhãs eram mentiras pegadas. Acordando a horas em que já muita gente deixava a amesendação vespertina, começava o dia com um lauto manjar. Sempre em restaurantes. Quando estava abonado, restaurantes de qualidade. Quando as lecas debaixo do colchão mirravam (que o Sidónio tinha uma desconfiança genética dos bancos), fazia a ronda pelos restaurantes dos amigos que lhe deviam um ou outro favor, ou daqueles que tinham rabos-de-palha presos ao conhecimento do Sidónio.
Como era ambicioso, a cada empreitada que se saldava em proventos generosos o Sidónio subia a fasquia. Em conversas com os mais íntimos, gabava-se de ser precatado. Os íntimos reconheciam-lhe uma fina inteligência (para os parâmetros médios da vilanagem do meio). Quando um deles montava um esquema que intuía ganhos fáceis, pedia-lhe conselhos. Era o cérebro da súcia. Metódico, o Sidónio era um pensador. Planeava as golpadas. Fazia como os arquitectos: sentava-se num estirador (que um comparsa roubara a um arquitecto) e esquematizava o plano. Rasurava-o quando notava fragilidades. Antes de o tornar definitivo reunia os íntimos, a sua massa crítica, para ter a certeza de que o plano teria um parto fácil.
Há três anos que se metia em aventuras de outro calibre. Enfiava-se num avião para S. Paulo. Passava uns dias com a concubina que aí mantinha. Mulher conhecedora dos grandes traficantes de cocaína. Ficou embeiçado por aquela morena curvilínea de uma vez que ela veio ao Porto. “Em negócios” – contara à família. A tórrida paixão alinhavou ambiciosos planos: ser correio de droga de um lado para o outro do Atlântico. Não queria continuar a sujeitar a amante aos riscos da actividade. E, afinal, dando o corpo ao manifesto os seus proventos eram maiores.
Já fizera nove travessias sem o incómodo das autoridades. Passava na alfândega pelos cães farejadores. Os balões de cocaína que a concubina lhe enfiava como supositórios estavam fora do alcance do faro treinado dos cães. A décima travessia seria especial: a concubina vinha de vez. E também trazia uma dose no ventre, que desta vez o carregamento era abundante e convinha apressá-lo, o que exigia a repartição da carga pelos dois. Se tudo corresse bem, era a última vez que atravessavam o oceano com droga nos intestinos (a menos que a última vez acabasse por ficar adiada por causa de imponderáveis, ou da ambição embriagante). Faltava um hora para o avião aterrar. Só uma hora e tudo desabou! Ela ficou indisposta, empalideceu, contorceu-se com dores agarrando-se à barriga. Vomitou sangue que respingou nos bancos da frente. As hospedeiras não ficaram em pânico. Pareciam treinadas para a eventualidade. Deram-lhe um comprimido e ela sossegou. O Sidónio estava encharcado em suor. Adivinhava o desfecho.
Mal saiu do avião, tinha à espera uma ambulância e uma comandita de polícias empunhando artilharia pesada. A brasileira foi de ambulância. Ele, algemado, também foi ao mesmo hospital. Sob custódia policial. A radiografia que tentou impedir com violência denunciou-o. Caiu, cabisbaixo, numa cadeira do hospital sob vigilância próxima de três agentes. Que terrível canto do cisne. Ainda não tinha trinta anos e, à frente dos olhos, desfilava uma demorada estadia na cadeia.
Do mal o menos, a concubina não resistiu às hemorragias internas.
(Em Serres, França)
1 comentário:
Isto é o Sidónio ou o caçador Simão?
Cantos
os lusíadas tinham 10
são muitos cantos mais o do cisne 11
não há guarda-redes que defenda
só se for um Defensor
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