18.1.11

A cidade desbotada

In http://blogmaneiro.com/www/blogmaneiro.com/wp-content/gallery/paisagens-em-preto-e-branco/paisagens-em-preto-e-branco-2.jpg
Seria do nevoeiro impenitente que reiterava nos dias constantes. Seria do granito amontoado nas escarpas, o granito das casas antigas que saltava aos olhos, ferindo-os com a aspereza das suas arestas. Ou da gente sombria, compenetrada na sua tristeza, a gente gelidamente arredia dos visitantes. A cidade era um retrato a preto e branco. Sucessivos retratos onde as cores estavam ausentes. Uma cidade desbotada.
Os turistas, os poucos turistas que desaguavam na cidade, sabe-se lá atraídos por que predicados que não punham a cidade em roteiro turístico algum, todavia encantavam-se com as tonalidades extravagantes. Por mais que teimassem em capturar as cores da cidade, a luz embaciada que se abatia sobre os dias coalhava as cores. As fotografias, tal como a cidade, saíam a preto e branco. Em diferentes cambiantes de preto e branco – ora a escuridão medonha dos becos estreitos, onde não entrava vestígio de luz; ora um acinzentado claro que decantava a luz do sol. Nem os telhados, que podiam emprestar a vivacidade do avermelhado das telhas, ou as copas das árvores enfeitadas com o verde garrido da primavera, transbordavam essas cores para os retratos.
As ruas estreitas, alcantiladas, com o piso irregular das pedras ancestrais e frias. As avenidas largas, que um assomo de modernidade trouxera algures no passado. O rio, um pardacento caudal que vogava na sua modorra, sem pressa de desaguar na foz. Os jardins tristonhos, que jardineiro algum semeara de flores. Tudo avivava a ausência de cores, como se naquela cidade nunca tivesse havido visitação do arco-íris. Os olhos das pessoas, a condizer, inertes na imensidão. Pareciam autómatos, indiferentes a quem passava, nem que fosse o turista mais bizarro que descesse à cidade. Os habitantes haviam sido contagiados pela frieza da cidade desbotada. Levavam uma vida descolorida.
O turista errava pelas ruas da cidade desbotada. As casas sombrias, que aqui e ali deixavam à mostra a imensidão de granito. Os edifícios públicos, altares de uma austeridade ímpar. As escolas, que mais pareciam gavetões fúnebres onde se enfiam as crianças para a instrução necessária para o porvir da cidade. E o turista desatava a sua perplexidade: por mais que errasse pelas ruas entristecidas, por mais que se cruzasse com rostos invariavelmente imóveis, não discernia um esboço de sorriso. Os habitantes tinham o sorriso desbotado.
E, porém, a paradoxal condição da cidade desbotada era a inexplicável atracção que gerava (mas não ao turista convencional). Eram turistas estranhos, impassíveis como a cidade dormente, que se extasiavam com os encantos escondidos da cidade. Aquela cidade mortiça não estava nos roteiros turísticos – já foi dito. E não havia dia sem que um turista impassível percorresse as ruas, sempre com o olhar enfeitiçado a vaguear de um lado para o outro, a câmara fotográfica a disparar sucessivos instantâneos que pariam fotografias a preto e branco. Desbotadas. Como a cidade embaciada numa luz franzina que impacientava as cores reprimidas.
A cidade desbotada desafiava as convenções. Por causa dela, três escritores, em três diferentes idiomas, ganharam fama. A cidade deixara de ser desbotada. 

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