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(No dia em que o blogue faz sete anos)
Quem falou em capitulação? Arrumo os papeis ao canto da secretária, os inúteis papeis que só atafulham o espaço vital. Esses papeis esperam pela fatal incineração. E, no entanto, não há no acto um esboço de rendição ao que quer que seja. Falemos antes de reorganização. O oposto da demissão do porvir, que esse promete-se bonançoso a cada aurora que desponta.
Antes do destino fatal, alguma mórbida curiosidade convida a um derradeiro olhar nos papeis vetustos, nos papeis que esperam na antecâmara do decesso. Seria como remexer nos tempos idos. Só que a lucidez actual não cura de a eles regressar pela mão dos papeis já gastos. A imensa curiosidade parece vingar, todavia. A pilha de papeis, ou as palavras amontoadas num arquivo digital, estão diante dos olhos como demónios corruptores que acenam mil pepitas de ouro. O corpo passeia-se nas proximidades. Detém-se junto aos vestígios que enclausuram as sobras inúteis de tempos diferentes. Aos olhos, inquietos, os papeis convidam uma demorada inspecção.
Se o corpo e os olhos se encavalitassem na pilha de papeis, dir-se-ia que havia transigência. Uma transigência aos apóstolos do tempo pretérito, eles que adejam com a sua monótona varinha mágica. Só para iludir os crentes de nostalgias diversas que elas, as nostalgias, se enfeitam com predicados mágicos que trazem do passado esse tempo em prodigiosa ressuscitação. Das profundezas, um assomo de resistência toma o devido lugar. Um turbilhão efervescente irrompe pelas veias e incendeia o corpo e os olhos contra a capitulação do tempo vivente perante as sobras de tempos já decretados na sua inutilidade.
Mergulhar naqueles papeis que já foram separados – e se foram separados é porque já houve um julgamento da sua inutilidade – seria uma terrível capitulação. Como à existência só tem serventia o tempo actual, o contrapeso do tempo vindouro apascentado pela sucessão de hojes, quanta indignidade haveria se o corpo e os olhos sucumbissem à falácia da nostalgia e se deitassem, quais historiadores em demanda dos fragmentos dispersos de uma autobiografia, aos papeis amontoados no canto da secretária?
Nas cavidades do tempo, ou nas suas quase inalcançáveis cavernas, só poeira sedimentada. Não se aprende nada com essa poeira, a destilação de um lixo tóxico que envenena os dias viventes. Os olhos encantam-se com as protuberâncias alcantiladas que o hoje, os hojes todos, oferecem. É de lá que chega a deslumbrante maresia dos sentidos. A resistência mais difícil de todas é não capitular às desleais seduções da nostalgia. As seduções descerradas em lápides vistosas e debruadas com palavras que contêm as suas próprias armadilhas.
Às vezes, quando viceja o cansaço e a lucidez se atraiçoa, o corpo e os olhos escorregam para a falaz capitulação. Por aqui há textos com uns laivos autobiográficos que resgatam fragmentos da pretérita existência. Pode parecer a negação do postulado que dá corpo ao título do texto em aniversário do blogue. Tento-me convencer do seu contrário. O que mais interessa é renovar das palavras a cada alvorada que se promete enquanto elas ecoam, secas, das teclas do computador. Já houve vezes várias em que a rendição esteve para sobrepujar a vontade de resistir. Em que o blogue esteve para ter o seu decesso. Tenho resistido à vontade de desistir. Pelo menos enquanto sentir que este exercício umbiguista (que o é) for um imperativo de higiene mental.
2 comentários:
A alimentação deste blogue é, sem dúvida, um estóico exercício de disciplina da sua parte. Questionar-se reflecte esse espírito inquieto, que lhe permite seguir em frente (independentemente do caminho tomado). Faça-o.
Deixe-me ainda dizer-lhe que lê-lo já se tornou num exercício praticamente diário.
Quando ousará a publicação do livro?
Muito obrigado pela sua simpatia!
Quem sabe se, um dia destes, daqui sai matéria para um livro?
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