In http://blogs.estadao.com.br/andrei-netto/files/2010/06/161920-viktor-orban1.jpg
Há alturas em que é tão confortável ser de esquerda (uma impossibilidade em mim, todavia): é quando absurda gente de direita toma decisões que mais parecem tiros que vão direitos aos dois pés. Quando os Berlusconi, Sarkozy, Bush Jr. e, agora, Viktor Orban (primeiro-ministro da Hungria) envergonham quem é de direita. Esta personagem subiu à ribalta pelos piores motivos. Pariu uma lei que restringe de tal maneira a liberdade de expressão (na imprensa e não só) que se diria que o estalinismo regressou à Hungria pela porta do cavalo.
Nos dias que vierem para a frente, sempre que houver notícias que ofendam a dignidade humana, a ordem ou o interesse público, ou não sejam “politicamente equilibradas”, os autores sujeitam-se a pagar a bagatela de 750.000 euros. Quem vai apreciar o calibre das notícias é uma comissão de sábios nomeada pelo governo. Gente com especiais dons para ajuizar o que quadra com os parâmetros de decência aprovados pelo governo húngaro.
Eu, que desconheço o significado de “politicamente equilibrado”, nem percebo como são medidas com objectividade científica as ofensas à dignidade humana e à ordem e ao interesse público, vejo nisto um ultraje ao valor que é a liberdade de expressão (um dos mais valiosos). Que venha de um governo de direita e, ainda por cima, num país que não assim há tanto tempo disse adeus às atrocidades do comunismo (entre as quais estavam os atropelos à liberdade de opinião), é revelador da má têmpera da gente que chegou ao poder na Hungria.
Por cá, os comentadores de direita andam silenciosos sobre o tema. Não metem uma palavra condenatória ao senhor de sua desgraça Orban. E, no entanto, estão sempre de lupa afiada quando em Cuba, na Coreia do Norte, na Bielorrússia, no Irão ou na Venezuela, as autoridades passam por cima da liberdade de opinião. Podem não gostar, esses comentadores, do que vem a seguir: a sua omissão é conivente com a estalinista bestialidade assinada no palácio governamental em Budapeste. Devem andar, estes comentadores, mais atarefados em desmontar a saga WikiLeaks que hipoteca os seus (deles) sagrados Estados Unidos da América.
O episódio tem outra utilidade: denuncia a existência de uma direita trauliteira, que não hesita em usar métodos duvidosos que pouco diferem dos métodos de que os países comunistas eram catedráticos. De uma direita, ainda por cima, mergulhada numa profunda incoerência. Pois algumas das privações das liberdades que reprovam no comunismo ou nos seus travestis de esquerda que por aí existem são depois toleradas quando chega a hora de defender a sua gente que chega ao governo pelo mundo fora. O nefasto acontecimento traz uma segunda utilidade: atira à cara das esquerdas que não há “direita”, no singular, mas diversas direitas. Uma direita liberal não se revê na sovinice desta direita conservadora, tacanha e trauliteira.
Na impossibilidade de me enfiar na casa onde exista uma esquerda qualquer (impossibilidade genética), esta direita, com estes infaustos personagens, desata em mim uma profunda vergonha. Quem não sabe respeitar o valor da liberdade não merece qualquer crédito. Apenas o desdém.
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