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Esbracejava. Furioso, ruminava impropérios a quem passava. Aos inocentes no estado de fúria que o consumia. Se houvesse retrato em jeito de metáfora, espumava aviltante raiva. E, todavia, não estava psicótico. Aquele enfurecimento era ocasional, epidérmico, com causa externa. Fora motivado por uma traição de compromisso. Era como se tivessem tirado o tapete debaixo dos pés, sobrando um solo gelatinoso onde os pés escorregaram fazendo-o tombar com estrépito.
Combinara negócio. Apalavrado. Queria, ao início, reduzir o negócio a escrito (como falam os palavrosos juristas, que podem ser gente maçadora, imersa numa desconfiança atroz, mas não são parvos). Do outro lado do negócio, um bem falante. Cheio de boas intenções, apessoado, parecia um lorde inglês. Mal podia desconfiar que era um charlatão profissional. E, das duas uma: ou o parlapatão tinha predicados de hipnotizador, tão bem o levara no engodo; ou ele próprio (que espumava a raiva dos atraiçoados) tinha embarcado no logro como só acontece aos ingénuos.
Estava furioso consigo mesmo. Extravasando a raiva para quem passasse em redor, como se os outros fossem culpados pelo ar de anjinho que foi enganado em duas golpadas pelo charlatão. Mas estava furioso consigo mesmo: como pudera ser tão ingénuo? Como se deixara levar pela ladainha do outro? Às interrogações, esboçava resposta com pesar. Não que servisse de consolo, que o grande mal estava feito e fora de tal arte que era irreparável. Servia, se tanto, como estúpido consolo interior. Interrogava-se: como podia adivinhar que um autêntico cavalheiro, detentor de uma pose donairosa e de vocabulário que distingue os instruídos, fosse um impostor encartado?
Tinha outra consolação interior (inútil, pois os danos estavam feitos e não ia ser ressarcido, tal a arte na marosca engendrada pelo simulacro de lorde): ele seria incapaz de burlar quem quer que fosse. Nem que fosse burla pequena, quanto mais uma com a sofisticação e o desassombro da que tinha sido vítima. E assim andou por dias a fio, esbracejando contra o resto do mundo e apaziguando-se interiormente. Julgava que os afagos que dava à sua desfeita auto-estima compensavam os prejuízos materiais da burla. Ao que parece, não aprendera nada. Agora era burlão de si mesmo com esta encenação caótica que tudo o que conseguia era uma ilusão infinita.
O desespero era sinal da quase ruína financeira. Quem o mandou não ter recato, que o negócio apalavrado prometia proveitos generosos, como se o saco dos ganhos não tivesse fundo. De resto, não consta que alguém lhe tivesse ensinado que nada é gratuito ou conquistado com o esforço de uma cigarra cantadora. Quando se aliviam as dificuldades da façanha, deve falar mais alto a desconfiança metódica. Agora, pagava o preço da avidez. Quis galopar na crina de uma negociata que lambia os limites da legalidade. Por infortúnio, o parceiro da comandita era um sabichão na arte. Um catedrático das falcatruas – veio a saber mais tarde, quando esbarrou, por coincidência e persistência, noutras vítimas de ardis da mesma igualha cometidos pelo mesmo lorde. Que se transfigurava noutras personagens acima das suspeitas.
Já não se pode confiar numa fatiota impecável envergada por gente com destreza no verbo. Convencera-se que estava treinado para não voltar a sucumbir à cilada de um grilo bem falante. Até que vieram umas eleições. Estava-se mesmo a ver que não aprendeu nada com gente habituada a roer a corda.
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