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E se os dados lançados ao tapete dessem uma combinação a que não estamos habituados? E se – ó possível heresia – houvesse retrocessos nas regalias a que estávamos acostumados?
É um jogo matemático. Não se foge ao espartilho dos números quando as fórmulas revelam resultados desagradáveis. Os limites dos embustes esbarram na inconfidência dos números cominados pela matemática. Uma das frias bofetadas da contemporaneidade é estarmos a caminho da geriatria. As prerrogativas tão generosas já não conseguem trepar as ameias cada vez mais elevadas – ou então dá-se o caso de os corpos embotados já não conseguirem vingar a empinada subida; ou de as paredes entretanto terem ganho um musgo escorregadio que tartamudeia os corpos exangues.
E se um dia, por fim, dermos conta que somos de mais e envelhecidos para deitarmos a mão às benesses habituais? Será a selva definitiva, o palco embelezado para o terçar de todos os egoísmos. Metade de nós sentados na poltrona das regalias, empunhando um cálice que fortalece o discurso dos intransponíveis direitos adquiridos. A outra metade à míngua, em febre revoltosa, primeiro estendendo a mão em demanda da complacência dos bem instalados. E depois, perante a impassível recusa deles, jogando a insurreição.
Podiam uns gurus da lucidez ensinar aos afortunados que a sublevação dos modernos descamisados é o pior dos porvires. Podiam convencê-los que ensimesmar é suicidário, a sementeira de uma longa invernia de caos nas ruas, de saques e da desvalorização da vida dos outros. Podiam ensiná-los que a míngua de tantos é um barril de pólvora que a ninguém acautela. E que a retórica dos direitos adquiridos é uma miragem, o espelho por onde se decanta a nostalgia de um pretérito que dançava uma música de que a memória subitamente se esqueceu sequer dos acordes.
Fosse a empreitada ungida com uma milagrosa consequência, e os possuidores da fortuna comprariam o sossego dando uma parte do quinhão aos desapossados. Nesse dia, já ninguém entoava a melodia dos direitos adquiridos.