27.7.11

Olho por olho


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Ensinado na cultura de alguns valores, dos valores estruturais, eles escorregam pelo esgoto quando aterra a prova dos nove. Uma coisa será a teoria. As teorias, tão belas que servem para emoldurar, com toques de requinte, a quinquilharia diversa destinada ao museu das coisas gastas. Outra, abraçada ao regaço das diferenças impensáveis, vem do choque térmico, os factos na sua crueza.
Podia ser o mais importante sacerdote dos princípios e dos valores por que se dizia reger. Podia alvitrar juízos de valor enquanto os outros deslizavam para fora dos limites tolerados. Punha rosto sombrio, encarquilhava as sobrancelhas e, de dedo em riste, lavrava sentenças que entravam como punhal frio na carne já de si ensanguentada dos outros. E, sem dar conta, deitava-se na sua intensa puerilidade. Quando julgava estar acima das suspeitas germinadas nos demais, as sentenças alinhavadas eram o oráculo da sua demência.
Um dia, tudo desabou. Os valores que pertenciam a um altar inviolável despedaçaram-se com o fragor de uma trovoada que entrou pelo corpo e desmaiou na sua fundura. Nesse dia, deixara de ser altivo juiz e açambarcou o banco dos réus. O mesmo banco dos réus onde depusera aqueles que judiciara. No estertor da aflição, vazou, em silêncio (que o orgulho tem a voz mais alta), a rectidão da clemência. Lá, onde pedia meças à profundeza da intimidade, sabia que a comiseração não é praticada nestes lugares desapiedados, convertidos à frugalidade do desprendimento.
Um prato servido frio. Com a austeridade das palavras escassas, que a severidade manda abdicar das flores. Nessa altura, na pose do réu que tantas vezes ajuizara, provou do veneno que dera aos outros. E percebeu: a vilania da vingança é um destemor vão, uma vinha cercada por insectos transportando o vírus da doença sem remissão. Percebeu que não devia ter depurado tanta doutrinação. Ela fora o seu patíbulo.
Depois, era só esperar que uma qualquer justiça, divina ou não (que interessava?), abjurasse o olho que tantas vezes curou de ser algoz.

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