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Em episódicos contratempos, o corpo encoleriza-se com uma ausência. Uma partida definitiva. A fria, implacável despedida verte por dentro os sedimentos da solidão, como se de repente apenas houvesse aquele que partiu. Por dentro, é como se o sangue não se colasse às paredes das artérias e um tremendo frio tomasse conta de tudo. A lucidez ganha cores baças. A cabeça cresta com as cefaleias compostas das dores interiores, ameaça explodir quando as veias se comprimem contra a apertada ossatura.
E, todavia, a extinção pode ser demiúrgica. Os padecimentos sem cura que definham o corpo e retiram tempo à claridade revolvem as intemporais interrogações sobre a bondade dos deuses que alinhavam a harmonia do universo. Não é digno teimar no sofrimento inútil, por mais que do estado terminal sobeje um outro sofrimento, a mágoa ungida pela ausência que se semeia. Quando os pés chegam ao fim da linha, sem ser possível recuar à antecedência do tempo para voltar a jogar os dados, sobra a resignação. A perspicuidade do que não se conjura. Levantam-se as nuvens plúmbeas que arqueavam o dorso. Que levita, imarcescível, numa seiva que perfuma os dias que prometem o provir.
Os irreprimíveis pesares são as dores que ficam nas horas sobrantes à extinção que cobrou o estado terminal. Há dias que são cães danados, dias que mordem até ao osso e sangram a carne. Dias que apetecia rasurar do calendário, como se houvesse mister de usar um bordão para saltar por cima de um dia ímpar. Os pesares emparedam as lágrimas, que depois emergem à boca de cena. As lágrimas enxugam a mortalha que cobriu o corpo com a lividez que o desapossou das cores refulgentes.
Pode o corpo tropeçar no torpor de uma partida, uma e outra vez. Pode, a cada vez, aprender com a ausência de quem partiu sem mais voltar. Podem as promessas adiar-se até nova ausência emprestar a agonia que estala na boca. Talvez a extinção seja demiúrgica e os cemitérios façam sentido.
Até a um dia destes.
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