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Agora que o governo, o tal governo “neoliberal” ou “ultraliberal” (consoante os gostos), atalhou as dificuldades com um imposto extraordinário que nacionaliza 50% do subsídio de natal, convém explicar o que não é liberalismo. Liberalismo pode ser muitas coisas ao mesmo tempo, mas não a subida de impostos como quem deita a mão ao que está à mão de semear.
Um liberal que tenha estudado os livros onde os liberais ensinaram a sua doutrina sabe que um imposto é uma apropriação do rendimento. Um liberal quer que o Estado alivie a intrusão na economia e na vida dos cidadãos. Pois o Estado é um estorvo à iniciativa livre: ora levantando burocracias que são autênticos pesadelos; ora exigindo licenças e taxas e mais taxas e pareceres que exigem conhecimentos e, se calhar, a palavrinha certa à pessoa certa (e mais uns presentes debaixo da mesa); ora forçando as pessoas a esbarrarem numa resma de proibições e condicionamentos e legislação obtusa que só aproveita aos conhecedores (ou seja, aos famosos juristas que as alinhavam lá das suas torres de marfim nas vetustas Faculdades de Direito).
Quando um liberal ensaia uma desculpa mal amanhada e sacode as responsabilidades para os antecessores na governação, deitando mão a esse pretexto para exigir mais uma dose de sacrifícios à população através de outra extorsão fiscal, das duas uma: ou esse liberal se esqueceu dos pergaminhos liberais e sucumbiu à tentação fácil; ou é um liberal de pacotilha, ardilosa personagem que enganou os incautos na campanha eleitoral. No fim, quem vai suportar a factura é o sujeito passivo.
(Uma divagação a preceito: a linguagem técnica usada pelos fiscalistas e pelos funcionários das repartições de finanças chama “sujeitos passivos” aos contribuintes. Emblemática expressão que merece um pedaço de hermenêutica. Quem se lembrou de inventar este ardil semântico nem deu conta do deslize. Pois há alguém mais desprotegido que o sujeito passivo perante o irrecusável dever de pagar (e cada vez mais altos) impostos? A desprotecção quadra com a noção de “sujeito passivo”. O contribuinte é alguém acantonado à passividade perante o Adamastor fiscal.)
Ainda na sua infância, este governo não esteve de modas. Dizem-me, em tom complacente, que o desarranjo das contas é grotesco, que se exigem receitas extraordinárias para cumprir obrigações com os nossos tutores (a troika). E dizem-me que é altura de todos aceitarmos um quinhão de responsabilidade colectiva, de admitirmos a factura a sangrar sacrifícios para os olhos. Mas se este governo é tão “neoliberal” ou “ultraliberal”, como as esquerdas insistem em cunhar, devia ter ido por outra estrada quando deu de caras com a encruzilhada. As contas públicas também se compõem cortando nas despesas. Consta que o governo está atento à alternativa, mas o que tem sido anunciado não passa de operações de cosmética quando toca a fazer as contas à poupança no erário público. Atacar através da expropriação fiscal faz lembrar os alunos poltrões que não se dão ao trabalho de estudar, gastando o tempo a conceber cuidadas cábulas para iludir o professor.
Muita pena tenho das esquerdas que andavam empolgadas com o conveniente encostar do governo às cordas do “neoliberalismo” ou do “ultraliberalismo” (consoante os gostos). Às duas por três, ou persistem no autismo do costume, continuando a chamar “neoliberal” ou “ultraliberal” ao governo; ou já devem ter metido a viola no saco. É que os factos trataram de liquidar o peditório para o “governo neoliberal” (ou “ultraliberal”).
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