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Um movimento perpétuo: as perguntas incessantes que procuram respostas que são apenas um ponto intermédio até às perguntas seguintes. Como o movimento das ondas fecundadas pela maré ou pelos alísios. A cada pergunta em formulação, os dedos do pensamento debatem-se no labirinto que parece amordaçar a pergunta a uma incógnita irresolúvel. Testam-se as hipóteses, desfiam-se novas hipóteses quando se extinguem as que julgávamos cabais. Quando o raciocínio, por fim, esquadrinha alguma luminosidade por entre as trevas do desconhecimento, tudo finda com outra interrogação.
Elas, as interrogações, a constante que povoa o sal da existência. Se cessassem as interrogações, ou se alguém, numa sanha proibicionista, obstruísse os pontos de interrogação, o corpo era empurrado para o precipício do marasmo. As perguntas, mesmo as incómodas – sobretudo essas – não devem ser atiradas para o canto da timidez ou para o quarto oculto onde se alojam as perguntas que desatam abalos telúricos. As que contam são as interrogações que lançamos para o interior, as perguntas (dir-se-ia) diuréticas do pensamento. Não podem ser o fermento de respostas categóricas, definitivas, que abortam outras perguntas que pesam no ar, estáticas, sobre as cabeças perplexas.
As perguntas vertidas em texto escrito deviam vir precedidas do ponto de interrogação – nem que fosse invertido, como a gramática espanhola consente. Quando lemos um texto só percebemos que somos desfiados por uma pergunta ao terminar a leitura da frase, quando ela decai no ponto de interrogação. Se a gramática autorizasse um sinal interrogativo a abrir a frase desfaziam-se as dúvidas à entrada: sabíamos que a frase vem apimentada com o desafio de uma pergunta. É que as atenções crescem no termómetro da intensidade intelectual quando uma interrogação se insinua.
Às vezes, por desaguarmos numa rua sem saída, abandonamos a pergunta na orfandade de uma resposta ausente, impossível. Não devemos capitular nas interrogações que se entretecem na sua complexidade. A cada pergunta que sobra na sua orfandade, é como se declinássemos o porvir que nos é consagrado. Quando teimamos e arremetemos em força, ou com paciência, contra a muralha de uma interrogação, o pensamento entrega-se a um higiénico exercício. Da capacidade para fermentar interrogações depende a extracção à inércia, à negação do pensamento. Seríamos – caso não houvesse saber, ou interesse, na formulação das interrogações – organismos deitados na malsã volúpia da inanidade.
Somos o seu contrário. A tempestade cerebral convoca interrogações a esmo. Somos imarcescíveis na frondosa actividade indagadora. A volúpia é outra: a alegria das perguntas que estalam, incessantes, nos contrafortes do pensamento. Não interessam tanto as respostas, que podem ficar adiadas ou pendidas na incógnita que se eterniza. E mesmo uma resposta, por mais que venha anelada ao tríptico triunfal, desfaz-se em nada se não abrir, de par em par, as janelas às interrogações seguintes.
As interrogações são as sementes que caucionam a fruição de um fruto. Convencemo-nos que a parte sumarenta é a polpa, já limpa das sementes. Como estamos equivocados quando as interrogações ficam em permanente letargia. A grandiloquência está no movimento perpétuo que é o alinhamento de interrogações atrás de interrogações.
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