3.4.12

Águas tumultuosas


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Irrefreável. Um poço sem fundo de onde gorjeiam águas tumultuosas bolçando em múltiplos remoinhos. Não há peias que amputem estas águas. Nem seca que seja travão no arroio que cavalga no leito pedregoso. Rochas escondidas espreitam quando as águas se amansam no pino do estio. São o leito atapetado de espinhos que financia a fúria das águas. Elas trovam o sibilo no meio do silêncio acantonado pela ausência do lugar inóspito. Emparedadas por alcantilados precipícios, sorvem os metros por diante em cascatas desesperadas que, degrau após degrau, hão de trinar o sossego das águas em seu remanso.
Até lá, indomáveis prosseguem as águas. Nos desfiladeiros onde se acotovelam desenham coreografias caóticas com o silvo da espuma em constante revoada, deixando finas partículas que compõem um nevoeiro. Entre as tempestuosas águas que se reviram em cambalhotas sem fim e a gentia luz do sol entrelaça-se um improvável arco-íris. Os olhos retemperados na fúria das águas contemplam o fugidio arco-íris que ora sobe, ora desce com as vagas revoltosas tragadas pela corrente ao tropeçarem nos penedos submergidos.
As águas avançam em velocidade vertiginosa. Aproxima-se o caudal enfurecido de um salto no vazio. As águas que podiam ser transparentes embaciam-se num traço grosso pintado a branco. Querem o degrau que vem a seguir, conhecer as pedras e os musgos por diante, talvez penhoradas pela ânsia do ainda desconhecido. Despenham-se. Nos breves segundos no embalo da gravidade suspendem pensamentos. Estatelam-se, bravas, nas rochas alisadas pela erosão. Como se fosse uma explosão grotesca, um ensurdecedor e contínuo cantarolar pelo imparável tombar das águas sobre a rocha polida.
Avisaram as águas que a viagem era impetuosa. Haveriam de ter o seu remanso quando as margens perdessem a alcantilada forma. Nessa altura, às águas amenas, empossadas num gratificante repouso, seriam oferecidas as pétalas da saudade. Dos sobressaltos contínuos que as trouxeram àquela monotonia. Não seria de bom jaez, a monotonia (nem a saudade): assim que tomassem gosto às primeiras partículas de sal, as águas adivinhavam ser engolidas pela imensidão do mar. Nem poderiam reclamar-se manancial do oceano. Enfim, irrelevantes e decantadas no seu decesso.

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