10.4.12

Flatulência, só em casa


In http://28.media.tumblr.com/tumblr_ly2gchmVIX1qgbux8o1_400.jpg
Quem pode ficar indiferente ao afã civilizacional dos governantes? Deviam-se levantar estátuas aos homens e mulheres que acreditam na sua missão heurística. Sem eles seríamos, humanidade tresmalhada, uma horda macerando na boçalidade. O que vale são os visionários que aproveitam a sinecura pública e, aos comandos do leme legislativo, se emproam procuradores da educação dos selvagens que ainda não interiorizaram os bons hábitos da civilização. É por isso que merecem estátuas (os educadores, não os educandos): são governantes e ainda lhes sobra tempo para serem educadores.
Há uma cidadezinha em Espanha (La Toba) que saiu do anonimato porque o edil local decretou um cortejo de proibições: escarrar no chão, tossir sem tapar a boca e libertar ventosidades intestinais. Estas proibições só são válidas quando os atos são praticados em público. Era o que mais faltava o degredo das boçalidades atingir o remanso do lar.
Alguns e algumas, porventura incomodados com o efeito inestético dos escarros no chão, da tosse desprevenida e da flatulência estridente, podiam-me interrogar, chamando a si predicados de boa educação: e se me cruzasse com uma boçal personagem que escarrasse sem peias, tossisse sem cuidado, ou desse azo ao ribombar intestinal, não faria (pelo menos) um esgar de desaprovação? Das três modalidades proscritas em La Toba, apenas tenho experiência do desporto marialva que é o escarro bem nutrido a empestar o chão tão imaculado onde pisamos. Se o problema é de acesso aos padrões mínimos de civismo, não vejo diferença (inestética) entre escarrar no chão ou fazê-lo para o lencinho zelosamente guardado no bolso das calças.
Um dos grandes problemas da engenharia social é curar das ações humanas esquadrinhando-as em todos os pormenores imagináveis. Mas a engenharia social não consegue precaver todas as hipóteses. Esta, por exemplo: a flatulência só é censurável se vier atrelada à estridência típica de um foguetório? É que há flatulência silenciosa, um hipócrita atentado terrorista à pituitária, pois o autor que soltou a arma letal fica escondido no anonimato do silêncio. A polícia de La Toba só vai punir a flatulência ruidosa, perdoando a silenciosa? A discriminação pode carregar uma tremenda injustiça.
A menos que o autarca tenha um trunfo na manga. Agora que a tecnologia avança mais depressa que o próprio tempo, e que há sensores para tudo e mais alguma coisa, quem sabe se os habitantes de La Toba não vão ser obrigados a instalar sensores que detetam a atividade que solta gás sulfídrico para a atmosfera. Mas para o texto não ficar mais escatológico, nem quero imaginar a instalação desses sensores.

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