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No campanário, dos
sinos da igreja ecoa a sua estridência. O cura sai à rua. Olha com a
sobranceria habitual, só para anotar os crentes que passam na altura e prestam
humilde vassalagem. O cura olha-os com desdém. Sabe que as ignorantes criaturas
que quis deus que assim fossem (néscias), mostram deferência pela vida – ainda
que miserável – com que foram ungidas pelas graças divinas. Ele, o cura
respeitado – o cura temido – é um servo entre os servos. Da má memória transparecem
ventos das iniquidades que andam de braço dado com a história: quando os livros
ostentam credenciais de igualdade, os grosseiros factos tratam de os desmentir.
Um dos servos é servido pelos demais. É o cura.
Na aldeia, um
punhado de gente desqualificada desalinha dos cânones. Não dirigem a palavra ao
cura. Não respeitam a sotaina e o que ela representa – a autoridade delegada de
deus na terrena província dos céus. Não se persignam, não habitam o templo no
culto periódico, ausentam-se da doutrina sabedora, imensamente sabedora, que o
cura prega do alto do púlpito. O cura tratou do os acantonar na resteva só com
serventia para os tresmalhados. Destinou-lhes o archote dos infernos. Adormece
o cura todas as noites com a recompensa de saber (ou de apenas imaginar) que os
desataviados estão fadados a tão cruel destino.
Estes dedicam-se
à sua vidinha. Emprestam-se aos pecados sublinhados a vermelho nos textos
sagrados religiosamente obedecidos pelos crentes. Às tantas, de tanto
ostracismo, refugiaram-se no palco dos pecados. Os repudiados, de tão
generosos, adoram admitir razão a quem os difama.
Um dia, destapou-se
o segredo de terríficas atividades de deboche. O cura, informado pelo
sacristão, deitou-se a adivinhar responsabilidades e a distribuir culpas. Os
com potencial de deboche eram um punhado, apenas – os pagãos incorrigíveis. O
sacristão balbuciou a medo que três das fieis devotas, daquelas que iam todos
os dias à necessária genuflexão eclesiástica, caíram na volúpia imprópria da
sua condição precatada. Ainda por cima, mães de família.
O
cura, encarniçado, quis repristinar a fogueira da inquisição. Para deitar nos
fogos luciferinos os debochados que tinham desencaminhado tão inocentes
mulheres. Foi um abalo telúrico que sacudiu a aldeia. Contra os prognósticos,
os aldeões sublevaram-se contra o cura. Foi ele que teve de fugir
apressadamente antes que lhe tratassem da tosse.
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