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Qual a
serventia das pedras no sapato? Um aborrecimento. Parece que pisamos chão
pedregoso, as pedras salientes e enfiarem-se, tão pontiagudas, na sola dos pés.
Agredidos, os pés berram as dores estilhaçadas pelas incómodas pedras pontiagudas.
Ventilam-se
as múltiplas hipóteses que explicam as pedras semeadas nos sapatos. Que
interessam as hipóteses, se o dorso da mão enxagua o suor que acompanha a
coreografia das dores? Os pés não detêm a marcha. Estugam o passo, ainda que
sintam o humedecido debaixo das peúgas que pressagia bolhas que explodiram em
sangue. Uma dose, avantajada dose, de teimosia; e as sombras que não podem
apoquentar o risível dia soalheiro que esconde as feiuras em redor, são o pasto
que empresta colorido à marcha que não se detém.
O
estoicismo não arregimenta as explicações todas. As pedras persistem na viagem
à boleia do dorso ensanguentando dos pés parasitados. E, contudo, o passo que
se estuga dispara os primeiros danos sobre as pedras agressoras. A erosão nota-se,
os pés metodicamente friccionados na palmilha dos sapatos onde estavam alojadas
as pedras agressoras. Como as rochas, que nem por tão duras serem resistem à
erosão das marés que as alisam, as pedras dentro do sapato começavam a
esboroar-se. Nada, era o que podiam fazer ali aprisionadas entre a palmilha e a
meia ensopada de sangue vertido dos pés em esfacelamento.
Cumprira-se
um dos mais apreciados sortilégios do tempo. A erva tisnada servia-se de
banquete, de imprestável banquete, às bocas esfaimadas que tudo queriam
devorar. Alarves, essas bocas soçobravam por serem insaciáveis. Tal como as
ásperas pedras que tinham encontrado esconderijo nuns pés que as desconheciam.
Agora eram elas as agredidas. Até se desfazerem numa poeira por sua vez
dissolvida no sangue vertido dos pés. Daqueles pés que, a custo da paciência
estoica, de agredidos se fizeram involuntários agressores.
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