25.4.12

Conto de fadas (ou: a liturgia da liberdade)


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Mote: não se brinca com coisas sérias? (Um par de exemplos: a religião, a revolução de abril)
Não se faz. Os capitães de abril (e um par de oportunistas políticos em adjacência) estão furiosos com o fascismo implícito que se instalou. Já decretaram sentença: isto já não adere ao “espírito de abril”. Os seus eternos tutores também sentenciaram que os intérpretes do poder, notórios testas de ferro dos grandes interesses do capital, vendilhões da sacrossanta soberania, atraiçoaram o povo que vai penando entre duas levas de austeridade.
Qual é o fundamento da histeria dos militares? Há ou não eleições? Descontando a abstenção que cresce como devia crescer o crescimento da economia, governam ou não os mais votados? A justiça social vai de mal a pior? Deixemos o famoso povo pronunciar-se em eleições. É mais confiável que a presciência dos militares desde o seu posto de vigia. Às virgens ofendidas, pouco falta para nos assustarem com um sobressalto cívico que desagúe em sublevação popular. Seria a sua medida peculiar de atestar maiorias, o seu peculiar barómetro da democracia.
É pena que o povo, ignaro como é, escolha quem tem escolhido para mandante das ordenanças do grande capital e dos interesses exteriores. Isto havia de ser como na Europa: quando há referendos e o povo não vota como deve ser, repete-se o referendo até votar a preceito. Cá seria igual com as eleições. Os reumáticos eternos tutores do “espírito de abril” seriam vigilantes das eleições. Quando não gostassem do resultado, por suspeitarem que os vencedores são traidores do “espírito de abril”, mandavam repetir as eleições. A sombra do conselho da revolução, esse epítome de genuína democracia, ainda se deita todas as noites com os tutores de abril.
Folgo em saber que os ilustres militares estão no regaço da reforma. Não os devemos temer: não sairão dos quartéis com saudades de um novo vinte e cinco de abril (já lá não moram); e a agilidade física já não tolera aventuras militares. Devem ser umas almas atormentadas (não se lhes lê um sorriso). Por dentro das suas cabeças, o “espírito de abril” reconstituiu-se em assombração. Devemos-lhes a liberdade?
Nem quero pensar o que seria da liberdade se não tivessem, na altura certa, sido devolvidos aos quartéis. 

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