23.4.12

Cozinha de autor


In http://receitas.mundopt.com/imagens/especiarias.jpg
Apetecia julgar: que a cozinha de autor, a modernaça, embebida de criatividade e com requintes de empratamento que fazem as vezes de aperitivo (pois os olhos, está confirmado, também comem), com ingredientes em combinação que não lembra ao diabo, essa cozinha tartamudeada por chefes com inclinação para a arrogância, é uma modalidade que anda a tirar a paciência. Vejo alguns programas na televisão, ou leio o receituário em jornais. Faria Pantagruel corar de vergonha – ou o dito Pantagruel teria de admitir que, para os padrões atuais, era um amador da gastronomia.
Mas não ajuízo. A criatividade é precisa na cozinha. Também é dado saber que a criatividade não tem serventia se os gostos não forem educados a preceito. Se teimarmos no conservadorismo dos sabores, a janela mental para a novidade gastronómica fica empenada. Tem difícil conserto. Mas o paladar exige novas combinações de sabores. Novas formas de cozinhar ingredientes, destruindo o marasmo culinário que parasita um dos prazeres da existência.
Há de tudo, na moderna cozinha de autor. Já vi, até, um cozinheiro holandês radicado no Algarve propor a utilização de terra como condimento. E é da Holanda que vem a ideia ousada de confecionar lesmas. Já não é preciso ir à China, ou a outros locais exóticos, para amesendar na companhia de iguarias impensáveis. Nesse caso, o assunto faz-se contar noutro alfabeto cultural: os hábitos tão diferentes são um interminável cardápio que juraríamos a pés juntos não experimentar fossem servidos num restaurante vizinho. Mas, assim como assim, não temos um pudim em cuja calda entra presunto? Não temos, em Trás-os-Montes, sarrabulho doce?
A rematar o texto, uma modesta proposta para a cozinha de autor: lombo de rodovalho escalfado com ervilhas caramelizadas em pasta de arandos, servido sobre um puré misto de castanhas e grão de bico, ungido com uma redução de molho de francesinha.

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