Linda Martini, "Partir para ficar" (ao vivo no Santiago Alquimista), in https://www.youtube.com/watch?v=cVaj3s4k91Y
Aberta, a janela da alma. Aberta,
expõe-se ao que vem de fora e não se importa que de dentro dela haja uma unção
para fora de si. No carrossel das emoções partilha os sentimentos, aloja as
influências, que são um jogo de sentido duplo. A aprendizagem é o reflexo
humilde do quanto de fora chegam sedimentos que se embutem na alma. Pois a
ninguém pode ser dado dizer que uma personalidade é apenas o amontoado da
genética interna.
À janela da alma estão à espera os
pórticos de tantas naturezas. Uns insinuam-se benignos, mas no fim de contas
são dissimuladas sementeiras que atalham o caminho para a tempestade duradoura.
A outros pórticos não se reconhecem méritos quando a alma com eles se encontra.
Mas há momentos em que a atenção reclama um posto. Se a alma não estiver
distraída, ornamenta-se com os pórticos não atendidos ao início e que são, no
fim das contas, a melhor abjuração de todos os males.
Às vezes, fechada a janela da alma.
Porque há vultos temerários que adejam na forma de querubins, em o não sendo.
Porque há ventos que sopram sem se desconfiar que trazem provações e enfermidades.
Porque a alma precisa da sua hibernação. Precisa de achar um roteiro, ao início
embaciado na neblina matinal, que remete ao início das coisas, onde tudo pode
ser reconstruído sem nada provar a sua destruição. Fecha-se, porque há uma
peregrinação pelos meandros da alma que assim aconselha. Para incessantemente
interrogar, desde as mais complexas coisas às que são tingidas pela
simplicidade.
É quando a janela da alma precisa de se
esconder do mundo. Precisa de partir para ficar. Precisa de vaguear na
intemporalidade por onde as memórias são pastoreadas. Porventura, para liquidar
as memórias (boas ou más) que impedem o tempo presente. Até que os dedos saciados
desprendam as pálpebras que se encerravam sobre os olhos e reabram a janela.
Para a alma voltar a respirar o imenso mundo.