24.2.15

E se fizermos as perguntas proibidas?

Teho Teardo and Blixa Bargeld, “What If”, in https://www.youtube.com/watch?v=RV9opcVjJFM
E se jogarmos muitos “ses” nas frases? Será que o pensamento fica embotado? Será que desvinculamos da lucidez que julgamos nossa tutora? E se vierem as penumbras que põem tudo em alvoroço, as verdades (que assim as tínhamos) agora transfiguradas em dúvidas transidas em serenidade?
Olhamos por dentro de nós, ajuramentamos a fidelidade a um fio de prumo que temos por imparcial. Olhamos para o exterior, para o vento que esbarra na janela. Tentamos fazer a bissetriz dos ventos, mas não encontramos nenhuma rosa-dos-ventos que tenha préstimo. A certa altura, nem sabemos onde param as rosas-dos-ventos, que levaram sumiço no fio do horizonte. À primeira vista, dir-se-ia estarmos tomados pela mais pura desorientação. Os equinócios perdiam sentido, as balsas não protegiam do naufrágio, as uvas davam vinho azedo e as palavras ditas em idioma estrangeiro vinham mal traduzidas pelos préstimos medíocres de tradutores arregimentados para o boicote. Os pólenes das flores eram veneno sagaz. O mar perdera o sal e os lagos e rios tomaram em si todo o salitre de que os mares eram fiéis depositários. Diríamos: tudo estava do avesso e nós numa peleja por continuarmos à tona, deixando o naufrágio para os outros.
Foi quando percebemos que o ocaso das coisas era produto da corrosão dos outros. Nem por inação podíamos ser julgados. Quando se jogam as vontades alheias, somos atores passivos, passageiros dos acontecimentos. Deixamos a ignomínia aos que a praticam. Admitimos que os despojos da indecência se podem deitar sobre nós, sem que possamos terçar armas que se oponham à catilinária. Depois, sobram as perguntas que já deviam ter vindo a palco. As perguntas dantes em letargia para não ferir conveniências. Ou das perguntas adormecidas por lírica rejeição dos contumazes que habitam paredes-meias com a ignomínia. É quando se soergue a derradeira interrogação, antes de passarmos ao que verdadeiramente conta: somos, ou não somos, párias no palco por onde transita a indigência maior que nos quer com ela levar?
Encerrado o capítulo, desponta outra, radiosa, alvorada.

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