Twin
Shadow, “Slow”, in https://www.youtube.com/watch?v=hyO7P6LE7nA
O dia dos namorados.
Fixou-se no calendário a celebração do amor que enlaça dois enamorados. Um
único dia no ano. Como se nos restantes trezentos e sessenta e quatro dias o
amor tivesse um destino banal. Diz-se acontecer com frequência. Quando se
confunde com habituação. A páginas tantas, a habituação começa a fermentar a
intolerância ao outro que vive debaixo do mesmo teto. Mas continuam a achar que
vivem em amor, mesmo que depois venha a agressividade, o desafeto, a lonjura e
a irritabilidade à fala do outro. Agora percebo: talvez seja melhor a
lembrança, ao décimo quarto dia de fevereiro, de que é o dia para se hastearem
as bandeiras do amor. Mais vale um dia no ano.
Tenho alguma ambivalência
em relação à efeméride. Não dando para o peditório dos castrenses
anticapitalistas, não vejo a utilidade da celebração. A lembrança do dia, quando
no resto do tempo o amor anda rarefeito, é uma hipocrisia latente. O amor não
devia merecer dia no calendário, pois é atirado para um lugar banal no resto do
tempo que medeia dois dias dos namorados. As coisas importantes da vida não
deviam ter lugar no calendário. Deviam ser uma celebração perene. Por outro
lado, entendo o argumento capitalista do acontecimento. É uma forma de
dinamizar os negócios. O que, em tempos de crise e de economia anémica, é de
uma urgência iniludível. E, dando corpo ao irremediável espírito de
contradição, só por me saber do lado contrário dos bestuntos sacerdotes das
conspirações anticapitalistas, não sou apóstata do dia dos namorados.
Correndo o risco de meter
a agulha pelo diapasão do moralismo (hipótese que me inquieta), o kitsch de ofertar chocolates, perfumes,
flores com um poema tomado de empréstimo de um poeta lamechas, uma joia que
inebria, um jantar num restaurante à média luz onde só têm lugar mesas para
dois enfeitadas com velas que se acham o cenário de um pedaço romântico, ou (o
que parece ter virado modismo) corresponder a curiosidade sadomasoquista de um
dos consortes – tudo isto parece dispensável para celebrar o que, no dia que
vem depois, ganha outra vez foros de banalidade. Mas cada um sabe da sua
vidinha.
Antes um sushi com vinho
tinto, ementa escolhida a preceito de um jantar igual aos outros, aos outros
jantares em que o amor não se esconde dos seus intérpretes. Sem ser necessário
lembrar que o décimo quarto dia de fevereiro é o dia inventado para os
enamorados se lembrarem de que o são.
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