Brendan
Perry, “Wintersun”, in https://www.youtube.com/watch?v=EUImhYMwybI
As pessoas, quase toda a
gente, sufoca-me com a pergunta que acham irrecusável: “que horas são?” Logo eu, que tanto me quis desprender do tempo
sempre atávico, e que já não uso relógios (nem sucedâneos).
Achei-me, a certa altura,
sitiado pelo tempo déspota. Dependente de um vício contumaz: levantar o punho
esquerdo na direção do olhar, apenas para poder ver as horas que eram,
constantemente. Agora, que soube encontrar emancipação da tirania das horas,
faço-me desentendido quando perguntam as horas que são. Desvio a conversa. Meto
assuntos mais interessantes pelo caminho, só para ver se consigo distrair quem
me interroga pelas horas que são. Alguns, talvez impenitentes bajuladores do
tempo (como fui outrora), não vão na trapaça. Uns atalham a conversa e desviam
o desvio que tinha feito lá atrás, insistindo na pergunta. Outros dão corda à
conversa desviada, mas não se esquecem da pergunta que foi o ponto de partida.
A páginas tantas,
pergunto ao inquiridor do tempo a razão de tanta urgência. Se me dá resposta óbvia (“não tenho relógio e quero saber se ainda vou tempo disto ou daquilo”),
devolvo a pergunta com outra roupagem: “e
por que não compras um relógio?”. Se for a vez da outra pessoa
desconversar, ou se for irascível a sua reação (“O que tens a ver com isso? Queres dizer que horas são, ou pergunto a
outra pessoa?”), quero saber por que há tanta pressa em saber a cor do
tempo no momento em que é perguntado. Terá medo que o tempo fuja entre os dedos
e recusa o relógio em si? Terá medo que o tempo seja uma miragem e que ao
perguntar por ele o consiga reter, ao menos na medida do tempo que for
respondido por quem deitar os olhos ao relógio?
Mas eu continuo a dizer
que não sei que horas são. Que não me interessa a cor do tempo, nem a velocidade
a que se esvai, ou se nos reserva uma careta risonha ou bisonha. O tempo, em
forma de cárcere que nos cerca, não merece o interesse que se lhe dá quando nos
deixamos tutelar por ele. É uma privação da liberdade. As horas são para serem
saciadas como se fossem os restos do que haja com préstimo. Se faltam muitas ou
poucas, as horas tratarão de o dizer. Não a destempo, como parece ser a demanda
de quem reivindica a urgência das horas que estão para a vir.
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