Flaming
Lips, “Heroes”, in https://www.youtube.com/watch?v=gPnxp1H9x1k
Sabes? Os heróis só
existem na banda desenhada e nos filmes de aventura.
Fora disso, da gente
inventada com poderes sobre-humanos, ou da gente que se transfigura e corporiza
genes que não são de gente, temos apenas gente. Simples gente que é gente com
uma aura de simplicidade. Com genes aziagos, com dias gloriosos e dias tacanhos.
Ora admirável, ora irascível, ora apenas indiferente. Gente com fragilidades, o
que destoa da gesta de heróis que enche as páginas das bandas desenhadas. Gente
feita de carne e osso. Os heróis não são dessa linhagem. Os heróis conseguem
proezas que não são acessíveis à gente meã.
Não me interpretes mal: a
condição meã não menospreza a gente que sabe que não é heroína de coisa
nenhuma; apenas retrata o que todos somos. Que em nós fermenta a imensidão das
coisas de que nos arrependemos, as culpas que nos mortificam, os atos que não
deviam ter sido cometidos e os outros que deviam ter sido praticados e embaciam
inúteis arrependimentos, as falas grotescas, as aleivosias instintivas, as
lágrimas derramadas que não curaram males nenhuns, as feridas que teimam em não
cicatrizar, as cicatrizes que não deixam esquecer um determinado outrora. Somos
heróis – mas da condição meã – ao termos a coragem de não fugir do que somos
nem do que alhures fizemos.
Somos tudo isso, e por
isso, gente meã. Consciente das fragilidades, gente que soçobra nas suas
imperfeições, gente que não consegue arrematar do horizonte as inseguranças que
cinzelam mais impurezas. Mas gente. E – sabes? – as impurezas chegam para nos
devolverem à terra: como gente-gente, feita de carne e osso, não podemos ser
deuses com os pés na terra, ou deuses que esvoaçam sobre os demais a ensinar
lições sobre o que seja, nem gente ardilosa que se faz passar por deus com pés
de barro.
Temos de saber encarar o
tempo com os olhos corajosos de quem não se amedronta com o que tiver de vir –
do passado, do presente e do porvir. Pois somos um mar de incapacidades, uma
lauta refeição de fragilidades. E que essa é a nossa (gente-gente) maior
ambição. Admitir tudo o que julgamos impuro e concluir que é dessa estirpe que
é feita a nossa grandeza.
Os heróis, deixemo-los
medrar nas páginas das bandas desenhadas.
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