26.2.15

Os vícios dos outros

The Prodigy, “Smack My Bitch Up”, in https://www.youtube.com/watch?v=niTmkLCBJO0
Imaginem-se os vícios todos. Até os piores – aqueles que coalham na fachada moral da “gente de bem”, justamente da gente que se ufana de não ter vícios nenhuns. (Ou de não saber que os tem. Ou, o que piora o estado das coisas, de não admitir uma privada licenciosidade que os calaria como próceres dos outros.)
Faça-se o inventário rigoroso dos vícios. Aquilo que quadra com os “sete pecados mortais” que a santa igreja demonizou. E outros mais que se possam congeminar para além das baias deste estertor. Tomemos conhecimento do cardápio, depois de inventariados os vícios todos. E depois, desestimemos os seus fautores, a bem da “moral e dos bons costumes”. Mas tudo podia ser ao contrário: não interessa saber quem transita por um vício. Se não, acabamos enredados numa teia julgadora que se acha competente para ditar palpites sobre o comportamento dos outros.
Ninguém tem nada com os vícios alheios. Que muitos não se precatem de subir a um púlpito de onde assinam sentenças irremovíveis sobre os vícios dos outros, é próprio de gente que deve ter vergonha da vida (vidinha) que leva. Dizem alguns: é que os vícios dos outros corrompem a sociedade, que o contágio pode dar-se quando alguém habita numa viciosa existência.  E eu contraponho: que, primeiro e acima de tudo, ninguém chame a si o julgamento dos outros (para não ser apanhado no lodaçal dos beneméritos moralistas que sobre ele possam deitar juízo de valor); e, segundo, que em não sendo capazes de pastorear vidas outras, tanto desinteressa quem transita pela licenciosidade como quem possa achar-se seduzido e por lá acabar também. Se somos “maiores de idade” (no sentido metafórico da expressão), e se somos matéria individual que se abraça a uma consciência, à consciência de cada um pertencem os respetivos confortos e angústias. A consciência é insuperável. Até por aquelas almas caridosas que gastam muito do seu precioso tempo a procrastinar a existência própria mercê da generosidade com o próximo.
Se calhar devíamos dar dois passos atrás. E postular que os vícios não devem ser assim sopesados. O julgamento pertence a quem se abraça ao que outros julgam, sem lugar certo, serem vícios. A palavra, talvez, devesse ser extinta (ou a sua carga social que arrasta o opróbrio por se prestar a juízos de valor alheios).

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